15 de setembro de 2019

A Caixa de Natasha - sangue novo nos livros de sangue...

Ontem acordei e tudo parecia normal , até que olhei para cima e vi Leonardo pregado no teto com as tripas saindo pela barriga e balançando, grotescas e molhadas, de um lado para o outro. Não me atrevo a tentar descrever o irônico sorriso de demônio que havia no rosto da criança... (Memórias)

• Reunião de contos de horror do tabapuanense Melvin Menoviks que surpreendem na enxurrada de delírios em dezenove (!) histórias demenciais. De delírios individuais a narrativas de franca crueldade desfila uma invejável coleção de situações, percepções e variações sobre modelos clássicos. Malpurga é um dos melhores momentos com sua construção de mistério e medo. A possibilidade de ser tudo fantasia folclórica, mas com a pavorosa reviravolta final.

Mas o pior foi quando, após tanto tempo de solidão, a vida se insinuou – quando após eu aguçar minha audição a ponto de poder escutar o crepitar e o rangido monótono dos galhos e bambus que me aprisionavam no inferno verde-morto, pude sentir a companhia. A presença. (Malpurga)

Os contos menores são situacionais e muitos se resumem a narrativas flagrantes como no divertido A Orquestra Diabólica ou no pesadelo recorrente de O Quarto de Gabriel. Outros são demências abissais como em O Mendigo ou Rua Pandora. As narrativas são tão criativas e desavergonhadas em suas explicitações que as influências só se destacam quando o autor as evidencia, como na citação a Poe em O Amigo Suicida.

Enroladas na lâmpada apagada do teto, havia três criaturas estranhas, apenas parcialmente visíveis na escuridão em que se encontravam, enrolando-se como sombras compridas e gosmentas com pequenas patas que se mexiam freneticamente sem qualquer motivo aparente, dançando uma uma brincadeira nojenta de secreções pegajosas que escorriam lentamente e pingavam ao chão. (O Quarto de Gabriel)

É possível que tenha mais litros de sangue correndo por estas páginas do que nos elevadores do Overlook. Não bastasse a sequência de pesadelos, delírios, violências e escorrimentos, o livro termina na sufocante novela título, A Caixa de Natasha, cento e dez páginas narrando o drama de Natasha, uma ex-usuária de drogas, internada pelos pais em uma clínica de recuperação. Quanto mais ambientada ao local, mais ela presencia eventos e aparições perturbadoras até a revelação final.

Esvoaçando pelo corredor, uma figura horrível se locomovia em meio a penumbra. Um vulto negro disforme, como um emaranhado de sombras sólidas e trevas vivas percorria o caminho em minha direção.

Entre excessos descritivos e variações originalíssimas fica a sensação de que as inúmeras ideias, em desfile desde a primeira página, poderiam ser desenvolvidas em narrativas maiores, novelas ou romances. Estamos aguardando, Melvin....

Mais sobre o autor em MelvinMenoviksBlog

🩸
Leitura Radical
Descrições demais deixam o leitor distante.

Leitura Passional
Irresistível enxurrada sangrenta.
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A Caixa de Natasha • Melvin Menoviks, 2015
Editora Novo Século, Barueri, SP, 2015
370 páginas.

a caixa de natasha

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