É possível que poucos gêneros tenham dado tanta liberdade de invenção quanto no campo do fantástico. Escolha uma área específica de criação artística entre cinema, quadrinhos, música ou literatura e veja como o fantástico serviu à renovação, à invenção ou à originalidade de propostas só por permitir a inserção de uma sombrinha aqui, uma distorção narrativa ali, uma forma espectral à espreita.
"Filmes de terror precisam muito mais de música do que dramas convencionais", diz John Burlingame nas notas de Amityville Horror. E o Black Phillip faz aqui uma trajetória relâmpago de trilhas sonoras no cinema de terror. Gênero que sofreu mudanças radicais ao longo das décadas e produziu coisas muito malucas e sem paralelos mesmo considerando as evoluções criativas em linhas específicas como o jazz, a eletrônica ou a música clássica. Não é seleção de melhores nem preferências do editor. São só destaques que por algum motivo foram se instalando historicamente como importante em suas épocas.
1945 Hangover Square • O compositor Bernard Herrmann tem neste suspense um exemplo notável de sua intenção em desenvolver a trilha sonora junto ao desenvolvimento dramático da película. Herrmann também começou aqui a explorar o efeito de stinger (motivo curto de surpresa). Melhor ainda, o personagem central é um compositor desequilibrado que escreve sua partitura entre seus delírios criminosos. No concerto de apresentação da peça, o teatro é tomado por chamas e enquanto os músicos fogem com seus instrumentos, o compositor permanece ao piano executando a peça até o final. Concerto Macabro para Piano e Orquestra foi gravado como suíte continua (doze minutos) em uma edição da RCA nos anos 70, dedicada às trilhas de Herrmann. E tem mais coisas sombrias como a abertura de Cidadão Kane e o explosivo tema do policial On Dangerous Ground.
1960 Psicose • Mais uma vez o novaiorquino Bernard Herrmann marcou ponto na história com sua famosa trilha para cordas feita para o clássico de Hitchcock, divisor de águas na história do suspense e do terror. Assim como o filme, a trilha também teve sua inserção histórica. O acompanhamento aqui é intencionalmente claustrofóbico, intrusivo e irritante em sua repetição obsessiva. Como punhaladas sonoras. A mínima variação musical é quando Lila Crane entra nos aposentos da sra Bates. Essa edição da Unicorn/Kanchana é a gravação original. A trilha foi regravada posteriormente e lançada com uma capa bem mais bacana do que esta.
1968 Le Boucher • Principal elemento desagregador na vidinha provinciana dos personagens do marcante suspense de Claude Chabrol, a trilha de Pierre Jansen é genial em sua utilização de referências eletroacústicas. Dos modernistas da música clássica à inserções de baixo elétrico referentes à cultura pop/rock de então, a trilha de O Açougueiro é incomparável, imprevisível e modernizou a música para suspense. Teve especial influência nos giallos italianos de década seguinte. A edição disponível pela série Ecoutez le Cinema traz a música em uma suite contínua de onze minutos. Jansen e o diretor Chabrol tiveram várias colaborações de excelente resultado musical como em La Decade Prodigieuse (também incluída na coletânea) e Les Biches. Jansen pode ser facilmente destacado como um dos maiores talentos talentos musicais que trabalharam para o cinema.
1968 Le Boucher • Principal elemento desagregador na vidinha provinciana dos personagens do marcante suspense de Claude Chabrol, a trilha de Pierre Jansen é genial em sua utilização de referências eletroacústicas. Dos modernistas da música clássica à inserções de baixo elétrico referentes à cultura pop/rock de então, a trilha de O Açougueiro é incomparável, imprevisível e modernizou a música para suspense. Teve especial influência nos giallos italianos de década seguinte. A edição disponível pela série Ecoutez le Cinema traz a música em uma suite contínua de onze minutos. Jansen e o diretor Chabrol tiveram várias colaborações de excelente resultado musical como em La Decade Prodigieuse (também incluída na coletânea) e Les Biches. Jansen pode ser facilmente destacado como um dos maiores talentos talentos musicais que trabalharam para o cinema.
1971 Macbeth • O grupo Third Ear Band iria produzir uma das trilhas sonoras mais originais e bizarras da história em sua mistura de tradição, instrumental acústico, elétrico e eletrônica. Lançados pelo selo Harvest foram naturalmente citados como um grupo de rock progressivo, mas o som deles é algo inclassificável. Somando à base típica dos grupos de rock (guitarra, baixo e bateria) instrumentos como oboé, sintetizador, violoncelo, conseguiram um amálgama sonoro sem paralelos. Em Macbeth muito da aura pesada do filme se deve à trilha, anasalada e obsessiva, constantemente nublada. O lírico oboé de Lady Macbeth é um dos poucos momentos de leveza da trilha. Mas a percussão em movimentos circulares cria uma atmosfera de constante opressão. Uma experiência musical bastante rara. Lançada em CD pelo selo inglês Beat Goes On Records.
1972 Cosa Avette Fatto a Solange • Ennio Morricone pega o modelo dos giallos (que ele mesmo havia inventado em O Pássaro das Plumas de Cristal) e o refina aqui. Assim, um belíssimo tema principal (vocalizado pela sempre esplêndida, incrível, maravilhosa Edda Dell´Orso, dos faroestes) faz contraste com atmosferas sonoras distorcidas e invenções musicais incomuns. Entre abstrações sonoras e temas próximos de jazz, ou jazz-rock considerando a época, Morricone produz combinações instrumentais bizarras como o trompete em surdina e cordas em Raccapricio, os andamentos incertos do walking bass de Una Tromba e La Sua Notte ou a abstração (percussão e cordas) de C´é Qualcuno Qui? Uma das tradições musicais do cinema giallo foi justamente os climas irreconhecíveis proporcionados por suas bizarras combinações instrumentais. Esta talvez não seja a melhor trilha de Morricone no gênero, mas marcou um ano áureo do giallo italiano.
1976 A Profecia • Os cânticos satânicos de Jerry Goldsmith marcaram profundamente um dos maiores sucessos o cinema de terror. Versus Cristus, Ave Satani canta o coral logo no tema inicial. Para o contraponto humano, The Piper Dreams esbanja lirismo, mas o reinado musical é mesmo dos climas sombrios eficientíssimos como na modulações vocais de The Killer Storm, ou na assustadora The Dog´s Attack. The Omen deu a Goldsmith o único Oscar de sua carreira.

1976 Quien Puede Matar un Niño? • Modernista e ousada, a trilha do compositor argentino Waldo De Los Rios é responsável por sustentar incrivelmente bem o suspense cult do diretor Narciso Ibanez Serrador. Lançada como obra independente intitulada Apologia Sinfônica Del Terror, é musicalmente um trabalho sem precedentes no cinema. Seguindo o modelo dos thrillers dos anos 70, Waldo destaca um belo tema romântico para o casal protagonista e o cerca de ameaça e terror nas distorções e movimentos da orquestra. A forma musical só tem paralelo na música de vanguarda. É realmente impressionante o resultado que o compositor consegue aqui em temas como La Furia de Los Niños e La Mutacion com sua violência sonora e os "gritos" selvagens dos metais. Como Macbeth, esta também é uma experiência musical e cinematográfica única.
1981 Paura Nella Citta Dei Morti Viventi • Entre o rock progressivo e cânticos apocalípticos a trilha de Fabio Frizzi fala perfeitamente aos extremos do cinema splatter. A lenta marcha com sintetizadores e solos de guitarra é um dos grandes temas de terror do período, a influência do rock (via Goblin) é perceptível, e Frizzi encontra a voz própria para o filme nos movimentos circulares, claustrofóbicos e nos corais. A parceria com o diretor Lucio Fulci vinha de Zumbi e, depois deste filme, seguiria em The Beyond e Manhattan Baby.
1985 Phenomena • Na era de ouro do technopop na cultura popular o grupo Goblin encontrou a encruzilhada entre o techno e o gótico para este que é um dos mais populares filmes de Dario Argento. Na edição expandida que traz versões alternativas dos temas, o cruzamento sonoro fica mais evidente como no piano e marcações rítmicas do tema principal (versão 2). Vocais, ritmos sintéticos e simulação de cordas se equilibram em uma aura sonora inebriante, hipnótica. Os beats pesados de Sleepwalking acompanhavam os transes de Jeniffer Connely e Jennifer´s Friends tem leveza pop contrastante ao conjunto. Creditada ao Goblin, mas na verdade Phenomena reuniu o tecladista Claudio Simonetti e o baixista Fabio Pignatelli nas composições e gravações.
2002 Mothman Prophecies • Riquíssima de texturas e efeitos sonoros a trilha de A Última Profecia da dupla eletrônica Tomandandy foi intencionalmente raciocinada para ficar no limite entre música e sound design. Muito detalhada e repleta de nuances como uma "mapa topográfico sonoro", Mothman Prophecies é composta por longas suítes climáticas. Os climas são evidentemente sombrios e ameaçadores, adequados ao filme, mas também fascinantes enquanto trabalho autônomo no campo da eletrônica com grandes momentos como Seeing Strange Things ou Zone of Fear. Lançado em CD duplo pelo selo Colosseum. O CD complementar inclui temas do grupo experimental King Black Acid e a faixa de encerramento do filme, Half Light, parceria do Tamandandy com o grupo Low. Um grande e rico painel de sons crepusculares.
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