18 de janeiro de 2018

J-Terror

Se oriente, rapaz! Black Phillip finalmente faz sua incursão ao horror japonês. Uma linha de produção que sempre causa surpresa pelos extremos e ousadias aos quais a cultura ocidental não está habituada.

Alguns filmes da lista já eram velhos conhecidos do Phillip, como Contos da Lua Vaga e Kwaidan, ou o ciberpunk Tetsuo. Mas foi curioso fazer um apanhado pelos anos e constatar uma concentração nos anos 1960 e agora nos anos 2000 (que ficou na Parte 2).
Esta não é uma seleção de Top Melhores ou pretensão de destacar clássicos. É só uma visita para constatar que nem Sam Peckinpah espirrou tanto sangue e nem os surrealistas foram tão insanos em seus delírios quanto o japa-terror!

1926 A Page of Madness • Pioneiro trabalho que explora as possibilidades narrativas do cinema. Em uma noite de tempestade, homem chega a um manicômio como novo empregado. Sua intenção é proteger e resgatar sua esposa internada no local. Mas ela não parece nem disposta nem capaz de sair do local. Sem legendas (inter-títulos), fica bem difícil acompanhar a narrativa composta só por imagens. Mas o show é garantido nas experiências da montagem, distorções de lente e construção de imagem que foge do convencional e busca ângulos inovadores e expressivos. 😈😈😈

Ugetsu Monogatari (Contos da Lua Vaga)
1953 Ugetsu Monogatari (Contos da Lua Vaga) • Sutil e poético clássico dos fantásticos. Kenji Mizoguchi alcança o fantástico pelo aspecto poético de sua obra e não por buscar convenções de gênero. O filme acompanha as trajetórias de dois irmãos, um ceramista e o outro pretendente a samurai. No tortuoso trajeto, os sonhos de construção de ambos se desfazem e vão se tornando pesadelos. Visualmente assombroso, especialmente na sequência da senhora Wakasa que cria atmosfera sobrenatural apenas com a cenografia, trilha sonora e alternância de luzes e sombras. 😈😈😈😈😈

Ghost Story of Yotsuya
1959 Ghost Story of Yotsuya • Para poder se casar com a filha de um poderoso senhor, samurai envenena sua esposa com a ajuda de um assistente. Mas o espectro retorna para o tormento de seus assassinos. Belamente fotografado no molde clássico de enquadramentos e luzes. O melhor é a parte final com as aparições de fantasmas, especialmente memorável com seus jogos de luzes, perspectivas anormais e mutilações explícitas. O diretor Nobue Nakagawa teve especial produção no fantástico, entre seus clássicos está Inferno (a seguir). 😈😈😈

Jigoku (Inferno)
1960 Jigoku (Inferno) • Marco divisor no terror japonês que inaugurou delírios surreais. Só que demora mais da metade do filme pra chegar lá. O jovem Shiro atropela acidentalmente um mafioso e os eventos posteriores implicam em uma série de tragédias envolvendo diversas pessoas ligadas a ele e ao acidente. No final vai todo mundo pro inferno pagar por seus pecados. Tendo como base dramática a culpa, arrependimento e punição, Jigoku inaugurou a encenação delirante e a explicitação de violência. A sequência final tem gente serrada, dentes quebrados a pancadas, mãos decepadas, corpos descarnados! Demente! Impressionante! Especialmente considerando sua época. 😈😈😈

Matango (Attack of the Mushroom People)
1963 Matango (Attack of the Mushroom People) • Direção do gênio Ishiro Honda, mais ou menos o Roger Corman japonês. Grupo de pessoas em cruzeiro marítimo naufraga em uma ilha desconhecida. Quando acaba a comida, alimentam-se de cogumelos mutantes que provocam alucinação e transformação corporal. Finalmente compreendem o que aconteceu à tripulação de um velho navio, também naufragado. Terror-pop que assume o modelo ianque (até com inserção de números musicais) e com a boa produção evidente na excelente cenografia. As mushroom people só aparecem no fim mesmo, mas o filme tem ritmo e interesse constante com sua excelente atmosfera fotográfica. Um personagem come cogumelos e tem delírios com shows de bailarinas! 😈😈

Onibaba (A Mulher Demônio)
1964 Onibaba (A Mulher Demônio) • Duas mulheres, sogra e nora, marginalizadas em um período de transição pós-guerra, vivem unidas por atos criminosos e pilhagens. Um ex-soldado ameaça a associação quando desperta desejos nas duas mulheres. O misterioso poço no meio de um bambuzal serve de depósito dos corpos de soldados pilhados. Cruel, noturno e erotizado. Um conto fantástico com personagens marginais e ambientado em um mundo subterrâneo de desejos primitivos. Um clássico exercício expressivo no fantástico.  😈😈😈😈

Kwaidan
1964 Kwaidan • Clássico do suspense e fantasia. Curiosamente Kwaidan se baseia no livro homônimo do escritor inglês Lafcadio Hern, especialista em folclore oriental. O filme de Masaki Kobayashi é um trabalho de síntese, adiante de seu tempo com sua estética sofisticada e alternância de ritmo narrativo (No e Kabuki). A associação da técnica cinematográfica à tradição gráfica japonesa é notável. Quase que inteiramente rodado em estúdio. Quatro histórias em duas horas e meia de duração! Destaque à sequência do guerreiro que tatua o corpo para se proteger em um embate com espíritos.  😈😈😈😈

Kuroneko (The Black Cat)
1968 Kuroneko (The Black Cat) • Duas mulheres são violentadas e mortas em sua cabana por um grupo de samurais. Seus espíritos voltam ao local para seduzir samurais e beber seu sangue em uma vingança sem fim. Um gato preto é a conexão de suas almas com o além. Mas quando o esposo de uma delas retorna da guerra inicia-se o conflito em continuar a matança ou trair os votos aos deuses. Kuroneko repete a excelência fotográfica em preto e branco de Onibaba e Contos da Lua Vaga, mas parte para uma criação visual mais enigmática e antinaturalista. Sombrio, irreal e minimalista em seu ritmo lento e cerimonioso, possivelmente herdado da tradição No. 😈😈😈

1968 The Living Skeleton • A tradição feudal é trocada pela contemporaneidade neste terror pop que assume referências do pulp e dos quadrinhos. A sequência de abertura é um assombro de violência em seu tiroteio sumário, foto preto e branco e produção B. Um navio é tomado por piratas e sua tripulação fuzilada. Anos mais tarde a irmã de uma das vítimas revive o episódio nas aparições do navio fantasma e inicia a vingança contra a quadrilha. Produção irregular que oscila entre momentos questionáveis (os esqueletos fake acorrentados, flutuando no fundo do mar!) a outros de ousadias explícitas. Também é curiosa a aproximação a modelos ocidentais de roteiro, trilha sonora e referências góticas. Exemplar curioso em sua opção folhetinesca e nível B. A produtora Shoshiku seria a correspondente japonesa a American International ou a Hammer por sua série de fantasias no final dos anos 60. 😈😈😈

1968 The Snow Woman • Conto fantástico sobre artesão aprendiz que precisa finalizar a encomenda de seu mestre e esculpir a imagem de uma deusa para a aldeia. Sua bela esposa desperta desejos de um oficial e a sacerdotisa da aldeia desconfia que sua real identidade é um espírito tentando viver entre os homens. Melodramático na maior parte, daqueles que termina com o garotinho chamando a mãe que parte na noite fria sob a neve, mas com belo rendimento estético. Um mini-clássico do fantástico. Baseado em um episódio de Kwaidan. 😈😈

1969 Horror of Malformed Men • Na busca pela verdade sobre seu sósia, um fugitivo de manicômio chega a uma ilha dominada por um cientista louco. Psicodélico! Inigualável! Esse cult clássico já tem post.

1977 Hausu (Hause) • Esse eu nem ia incluir, mas é tão elogiado e tão citado que entrou. Bizarro é a palavra para defini-lo. Mas não exatamente "bizarro" enquanto virtude cinematográfica... Rodado em estúdio, parece uma Vila Sésamo do terror! Esse já tem post.

Samurai Reincarnation
1981 Samurai Reincarnation • Ótima inserção de fantasia/terror na filmografia de Sony Chiba. Missionário cristão revive depois de um massacre pelos exércitos de Shogun e forma um grupo de ressuscitados para desestruturar o domínio. Épico de duas horas com tudo de bom que se pode esperar de uma aventura de samurais. O cuidado fotográfico e a trilha sonora retrô são demais características dos anos 70, e não é todo dia que podemos ver Sony Chiba enfrentando o espírito reencarnado de Miyamoto Musashi!!! O duelo final no castelo em chamas é especialmente memorável e sugere uma continuação. Também é curioso ao utilizar os símbolos e personagens cristãos como agentes do mal! 😈😈😈😈

Tetsuo
1989 Tetsuo • Exemplar B da linha cyberpunk. Quando o lixo industrial causa infecção, um homem comum em sua jornada de trabalho é seguido e atacado por uma mulher infectada. Por fim, suas mutações fazem dele uma criatura bio-mecânica! Insano, inventivo, hilário, essencial! Realizado com um mínimo de recursos e conseguindo uma estética invejável com sua fotografia em preto-e-branco e com os resíduos industriais infiltrados no corpo humano. Cronenberg deve ter gostado. Teve duas sequências. 😈😈😈

1996 Naked Blood • Jovem cientista desenvolve um potente analgésico e o testa em três garotas voluntárias de um experimento. Com a superação da dor causada pelo remédio, elas descobrem um prazer alternativo: a primeira se mutila com suas jóias pelo corpo todo, a segunda se alimenta de pedaços do próprio corpo e a última se torna uma homicida. Horror e ficção em nível B com direção de arte despojada e naturalista, ainda com cara de anos 80. Bizarro, sangrento e enigmático como muita coisa nesta lista. 😈

Ring (O Chamado)
1998 Ring (O Chamado) • Grande sucesso do terror contemporâneo. Uma jornalista pesquisa sobre a morte de um grupo jovens que viu uma misteriosa fita de vídeo. Todos eles morreram sete dias após a exposição ao filme. E ela terá que descobrir o paradeiro do corpo da garota Sadako (que virou Samara, na versão americana) para interromper a maldição! Ótima narrativa de suspense, envolvente e refinada, com destaque à sequência final no esvaziamento do poço. Sadako saindo do poço na gravação em vídeo é uma das imagens clássicas do terror contemporâneo. 😈😈😈

1999 Audition • Takashi Miike entrou para o fantástico com este notável exercício estético. Um produtor de cinema viúvo faz testes de elenco para encontrar um novo romance. E encontra uma garota de passado misterioso que pode lhe custar a vida. Veja mais no post.

1999 Jigoku (Hell) • O visionário diretor Teruo Ishii volta aqui a suas taras por punição e tortura como em Joy of Torture (1968), pena que o resultado é tão trash! A jovem Rika é abordada pela senhora Enma para que lhe adverte sobre sua conduta ou será condenada ao inferno. Rika é então conduzida a uma tour pelo inferno (mais ou menos como A Divina Comédia) onde verá a punição de pervertidos, corruptos e um líder religioso. Curiosamente a produção é nível Jaspion, o inferno parece palco de teatro barato, algumas externas são feitas com maquetes! Os efeitos são pobres: dedos arrancados, membros serrados, línguas esticadas e eviscerações são desajeitadas e amadoras demais. E se eu entendi direito, a porta do inferno é uma vagina!?! Resta a curiosidade de ver uma rara produção trash japonesa por um dos maiores mestres em filme-demência. 😈

Na Parte 2 os contemporâneos do J-Terror.

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