4 de junho de 2022

A Hora das Nulidades - horror e indulgência

The Nun


Mais do que ser cri-crítico é importante ser analítico. Na produção do terror-fantástico, parece não fazer muito sentido as radicalidades críticas e julgamentos de segregação, afinal a vertente do fantástico é uma das mais generosas em acolher esquisitices, experimentos e até filmes de talentos questionáveis. Mas indo um pouco além daquela linha "tão ruim que é bom" – aqueles clássicos do cinema-ruim que divertem sem querer – venho me deparando com algumas coisas recentes que assustam pela falta de definição emocional. São obras de flagrante apatia, no limiar da dúvida. Ficam em algum lugar entre a inépcia e a estilização. Parecem ter tentado a sutileza, mas ficaram descaradamente sem graça...

E o problema não é de hoje, em uma pesquisa ligeira dá pra pescar um punhado de produções de resultados duvidosos. Filmes que escaparam do formatão clássico e óbvio para tentar a alternativa e se deram mal. O problema imediatamente visível é a incapacidade na direção, a indefinição na dinâmica emocional, que faz de cada um deles um tormento perceptivo. 

Mas o Felipe Preto gosta de fazer listas de filmes que sozinhos não mereceriam uma postagem de destaque – e ele perdeu um tempão vendo tudo isso. Então vai aí esse punhado de quinze filmes inaptos que não assustam, não entusiasmam, não fazem falta. Para quem busca entretenimento, todos desta lista podem ser evitados..... então pra quê fazer esse levantamento?! É que para estudantes de cinema, de narrativa, de roteiro, ou de direção, cada um deles pode ser uma valiosa lição para estudar o que deu errado (como já defendido em outros posts do Phillip), e que não é só orçamento que faz um filme. 

1964 The Curse of the Living Corpse • Família se reúne após a morte do patriarca para a divisão da herança, mas o falecido parece mais disposto a dar umas lições em cada um deles. Suspense moroso que parece ter uns quarenta anos de atraso em sua dinâmica. Com ações e direção que remetem ao cinema mudo, o filme é uma experiência em deslocamento perceptivo. Primeiro filme de Roy Scheider. Participação de Candace Hilligoss (de Carnival of Souls).

Curse of the Living Corpse
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1966 Chamber of Horrors • O chatinho Patrick O'Neal é Jason Cravatte, criminoso condenado que escapa do enforcamento e planeja uma vingança matando um a um os que o condenaram. Suspense ultrapassado que vale como curiosidade de época ao imitar os gimmicks de William Castle. Aqui usa-se um alerta visual (um pisca-pisca vermelho) e uma sirene que antecede as cenas de crime, mas as cenas de impacto nem acontecem explicitamente e a brincadeira não se sustenta! No curioso elenco, tem o senhorzinho boa praça Wilfred Hide-White, tem Wayne Rogers (que integraria a série MASH) e tem até o Tony Curtis em uma participação, jogando cartas em um bordel!

Chamber of Horrors
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1972 La Mansion de la Niebla • Grupo de pessoas em viagem se perde na estrada por causa de um nevoeiro e procura abrigo em uma casa afastada para o pernoite. Às vezes a premissa mais pobre do mundo pode render um grande suspense. Às vezes não... e esta coprodução ítalo-espanhola tropeça feio na preguiça geral, no desinteresse da direção e no roteiro sem imaginação ou sequer alguma intenção em variar e a atmosfera inicial logo se dilui.

La Mansion de la Niebla
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1975 Welcome to Arrow Beach • Meg Foster é uma andarilha que vagueia pela praia e conhece Jason, um tipo galante, mas misterioso. A convite dele, Meg passa uma temporada em seu casarão, e logo suspeita que seu elegante anfitrião é um desequilibrado. Suspense fraquinho com cara de filme de TV. Se perde na suspensão e apreensão mais do que na tensão emocional (thrill). Com poucas virtudes (strip de Meg Foster na praia, cena de crime a machadinha...) é um exemplo de filme que tentou escapar das obviedades de gênero e se deu mal. No elenco cult, Laurence Harvey, o galã que não deu certo, também dirige, e ainda a beleza icônica de Joanna Pettet, o veterano John Ireland e o eterno mala Stuart Whitman.

Welcome to Arrow Beach
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1977 Ruby (Ruby, a Amante Diabólica) • O diretor Curtis Harrington tem um monte de coisas legais no fantástico B, mas algo deu muito errado aqui nesta tentativa de fazer um suspense no estilo de O Que Aconteceu a Baby Jane? Ruby Dale (Piper Laurie, a mãe de Carrie) é dona de um cinema drive-in no qual o espírito de seu antigo namorado (assassinado por uma quadrilha) começa a se manifestar causando mortes. Noturno e atmosférico com uma fotografia até interessante, Ruby tropeça fatalmente na direção sem empenho e enquadramentos estranhíssimos quando não convencionais.

Ruby
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1979 Savage Weekend • Família de novaiorquinos sai para um fim de semana no interiorzão em uma fazenda e entram em atritos com alguns funcionários suspeitos, entre eles Otis (William Sanderson de Blade Runner), um tipo desequilibrado que cuida das manutenções locais. Logo um misterioso mascarado começa a assassiná-los. Entre a erotização barata e o terror in the woods, um filme arrastado, previsível e com elenco amador! Lançado aqui em vídeo como A Hora do Calafrio.

Savage Weekend
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1980 Schizoid • Grande exemplo de direção nula! Um caso de filme ruim que virou cult por alguns motivos, especialmente o elenco. Julie (Mariana Hill) integra um grupo de amigas que fazem terapia com o Dr. Pieter Fales (Klaus Kinski) e logo as integrantes vão sendo mortas a tesouradas por um maníaco. Suspense banal com participação de Christopher Lloyd e Craig Wasson (Dublê de Corpo) fazendo tipos suspeitos. Dirigido pelo mesmo David Paulsen de Savage Weekend (acima), aqui em seu último longa para cinema (alguém deve ter avisado... ou ameaçado!).

Schizoid
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2010 Territories • Grupo de jovens em viagem pela fronteira entre EUA e Canadá é detido por dois ex-fuzileiros, fanatizados pela segurança de sua terras. No cárcere, são submetidos a torturas físicas e psicológicas para que revelem a verdade sobre sua incursão pelo território. Produção franco-canadense que perde todas as chances em explorar o drama, o suspense, a ação, a porradaria e até um comentário sobre a fanatização da dupla de carcereiros. E considerando a qualidade em foto, elenco e autenticidade, poderia ter sido um grande thriller.

Territories
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2014 Blood Punch • Milton é um jovem estudante de química que é recrutado pela garota Skyler para refinar uma droga. Juntam-se a Russell, namorado de Skyler, em um chalé afastado, para realizar o serviço, mas Russell é um desequilibrado e os três, que podem estar sob efeito de alguma droga, entram em um loop de realidade e situações recorrentes. Ideia bacana derivada da famosa situação do "dia da marmota" (de Feitiço do Tempo), mas a direção capenga e o elenco mais sem graça do mundo dilui todo o interesse e emoção que o filme poderia ter.

Blood Punch
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2018 The Nun (A Freira) • Sequela da franquia The Conjuring com um personagem apresentado no segundo filme. Veja o post.
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2021 The Devil Below • Bradley Parker (diretor de Chernobyl Diaries) não teve sorte nesta variação de temas conhecidos no pop moderno. Grupo de cientistas guiados por uma líder experiente em trilhas e escaladas tenta encontrar escavações na cidadezinha de Shookum Hill, mas os próprios mineradores impedem as visitas depois de terem lacrado as entradas de acesso. Algo descoberto nas profundezas não deve vir à superfície. Entre o suspense e a aventura, o filme vai bem até a descoberta dos tuneis, mas decai incrivelmente em seu roteiro frágil, o grupo de cientistas que começa a se comportar como adolescentes assustados e os efeitos medonhamente primários nas criaturas subterrâneas.

The Devil Below
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2021 Let it Snow • Mia e Max passam temporada em uma pousada na neve procurando espaço para esquiar, mas a região que escolhem explorar é justamente um local onde desaparecem turistas todos os anos. Um assassino ataca na região e mesmo as autoridades não são capazes de resolver o caso. Max desaparece e Mia passa o filme todo vagando pela neve tentando voltar até a pousada. Produção ucraniana que espanta pela neutralidade emocional mesmo nas ligeiras cenas de confronto. Pode ser compreendido como um daqueles "filmes happening" dos anos 70, onde a ambiência e a atmosfera eram a justificativa, mas para uma produção destinada ao mercado pop, fica difícil engolir as andanças sem fim da protagonista, dia após dia. Sua maior curiosidade é trazer a clássica canção Let It Snow cantada em ucraniano!!!

Let It Snow
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2021 The Unholy (Rogai Por Nós) • Talvez não haja nada mais monótono do que uma produção bem acabada e com direção inepta. Este The Unholy é um claro sintoma do mercado moderno que disponibiliza recursos de primeira mão a uma direção notavelmente inexperiente. Jeffrey Dean Morgan é um jornalista que faz uma matéria em uma cidadezinha onde uma jovem surda teve uma visão angelical e passou a ouvir e a curar os residentes. Mas os eventos posteriores levam a crer que a entidade manifestada não tem nada de santificado. Baseado em Shrine de James Herbert (escrito em 1983). O que faz falta no geral é fôlego, de direção, de elenco, e até de trilha sonora.

The Unholy
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2022 Choose or Die (Escolha ou Morra) • Kayla é uma jovem programadora que descobre um velho jogo amaldiçoado. Quando aciona uma partida, sua realidade passa a se alterar de forma aterradora em eventos progressivamente violentos que ela não pode controlar. Premissa bobinha em realização convencional que não entusiasma em nenhum momento. Tecnicamente correta, mas a direção em modo clichê arrasta o filme para o desinteresse. Participação de Robert Englund narrando os jogos.

Choose or Die
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2022 Non Mi Uccidere (Não Me Mate) • Produção italiana dirigida por Andrea De Sica (filho do compositor Manuel De Sica e neto de Vittorio De Sica). Lento e quase antiemocional, conta o drama da jovem Mirta que morre junto ao namorado por uma overdose, mas renasce com sede de sangue, e logo é caçado por um grupo de exterminadores de renascidos. Variação ou aproximação à mitologia de vampiros onde nada funciona muito bem pela apatia geral. Parece que o renascimento do terror italiano vai demorar um pouco...

Nom Mi Uccidere

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