17 de outubro de 2017

Megeras do Terror!

O Que Terá Acontecido a Baby Jane?

Scary grannies! Houve tempo em que atores e especialmente atrizes em fim de carreira, ou ausentes das telas por anos, ou que haviam deixado de representar imperativos de beleza e de consumo, tiveram uma revivida na carreira por causa de filmes de terror e suspense. A onda do hag horror começou com o famoso O Que Terá Acontecido a Baby Jane? e seguiu por uma série de filmes com atrizes esquecidas. Curioso que na época, os filmes do gênero significavam que, sim, o elenco que participava estava realmente no fim da linha em termos de mercado. Quem abandona glórias passadas (como Bette Davis por exemplo) e se submete a apelações populares como filmes de terror para se manter na ativa? Isso confirma que a industria do cinema despreza a terceira idade e atores e atrizes veteranos só têm chance como elenco de apoio?

Mas o tempo redefine conceitos (às vezes de forma correta) e muitas dessas produções podem hoje ser vistas sob um conceito menos rabugento. E alguns são realmente grandes filmes que em sua época não tiveram o credito devido.
Olivia de Havilland pode ser uma pioneira da seleção. Olivia nunca esteve realmente decadente, soube se manter na ativa com respeitosas participações como em A Dama Enjaulada (1964) e O Mundo dos Aventureiros (1970). Mas sua presença é curiosa em The Snake Pit (A Cova da Serpente), um drama de 1948, sobre internação em manicômio, quase um WIP adiante de sua época. Susan Hayward também marcou época como a bad girl do clássico I Want To Live (Quero Viver, 1958), assim como a poderosa e ardilosa Angela Lansbury em The Manchurian Candidate (Sob o Domínio do Mal, 1962) ou Geraldine Page em The Beguiled (O Estranho Que Nós Amamos, 1970). Mas todos esses ficam um pouco fora de nosso assunto só porque são dramas sem os elementos exploitation do suspense e terror.

A coisa toda começou mesmo com O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962) de Robert Aldrich sobre duas irmãs, ex-estrelas do show business, ambas envelhecidas e esquecidas e vivendo um pesadelo em sua incapacidade em aceitar a passagem do tempo. A ironia maior é que as duas super-estrelas, Bette Davis e Joan Crawford viviam essa realidade. Se não quanto a insanidade das personagens, certamente que sim em relação ao injusto descaso da indústria cultural. Bette se divertiu um bocado em bancar a megera decrépita, carregada de maquiagem e falsos cachinhos. Assumiu o escracho. Joan, por outro lado, queria parecer arrumada e atraente! A rivalidade entre as duas, durante a filmagem e fora dela, tem episódios divertidos. Então, Baby Jane fez sucesso, tornou-se clássico do suspense, repercutiu bem pra todo mundo e rendeu variações. E então tivemos:

 Hush Hush Sweet Charlote (Com a Maldade na Alma)
1964 Hush Hush Sweet Charlote (Com a Maldade na Alma) - Robert Aldrich volta ao modelo de Baby Jane com sua trama envolvendo segredos do passado. Bette Davis, enlouquecida e solitária, precisa deixar sua mansão desapropriada e a presença de amigos de longa data intensificam as lembranças e suspeitas sobre um crime ocorrido em sua juventude. 130 minutos de mistério, intriga e grandes interpretações em um filme que chega a ser ainda melhor que Baby Jane pela variedade de situações e personagens. Só não é mais clássico porque Baby Jane veio antes. No elenco cult, Joseph Cotten, Olivia de Havilland, Mary Astor e em fase inicial de suas carreiras, Bruce Dern e George Kennedy. E ainda temos a grande Agnes Moorhead, veterana e hors concours na categoria véia-loca. 😈😈😈😈

Dead Ringer (Alguém Morreu em Meu Lugar)
1964 Dead Ringer (Alguém Morreu em Meu Lugar) - Bette Davis reafirma sua relação com o gênero hag horror. Quem dirige é Paul Henreid, ator famoso como o marido de Ingrid Bergman em Casablanca. Aqui temos Bette Davis ameaçada de despejo e descobrindo as trapaças de sua irmã gêmea milionária. Ela mata a irmã e toma seu lugar sem prever as consequências. Duas Bettes pelo preço de uma! E ainda o grande Karl Malden como o policial apaixonado que acompanha as ocorrências. Música expressiva de André Previn, na tradição dos film noir. 😈😈😈

Straight Jacket - (Almas Mortas)
1964 Straight Jacket - (Almas Mortas) Joan Crawford não ficaria atrás da rival Bette Davis e assume aqui o gênero "megeras do terror". Depois de passar anos em um sanatório pela morte do marido, Joan vai viver no rancho de sua filha, mas as lembranças do passado não a abandonam. Pelas mãos do genial William Castle, Crawford toda arrumada, penteada e cheia de pulseiras, empunha um machado e personifica um dos símbolos visuais do horror B. George Kennedy é decapitado no papel mais curto de sua carreira. 😈😈😈

The Nanny (Nas Garras do Ódio)
1965 The Nanny (Nas Garras do Ódio) - Bette Davis é a atenciosa governanta que por anos cuida de uma família inglesa, mas o jovem Joey desconfia que a dedicada nanny não é todo aquele equilíbrio que aparenta. Seus traumas reprimidos podem estar pondo em risco sua sanidade. Produção Hammer com uma trilha sonora de Peter Maxwell Davies que acrescenta um toque extra de desequilíbrio e mistério. Pamela Franklin participa mas nem interfere. 😈😈😈

The Night Walker (Quando Descem as Sombras)
1965 The Night Walker (Quando Descem as Sombras) - Mestre Willam Castle volta com mais um de seus filmes de provocação ao espectador. Brinca com estrutura do filme para desorientar a platéia. Agora é a vez da veterana Barbara Stanwick em seu último filme para cinema. Mas ela não é a vilã, aqui faz uma mulher atormentada por pesadelos e delírios envolvendo seu falecido marido cego. Castle não define claramente onde termina o real e começa o delírio brincando com a estrutura fílmica. 😈😈😈

1965 Die Die My Darling (Fanatismo Macabro) - Mais uma veterana atriz adere ao gênero. Tallulah Bankhead (que nome!) é a megera que inferniza a vida de Stephanie Powers mantendo-a prisioneira em seu velho casarão. Grande suspense e um dos melhores desta lista. Veja post. 😈😈😈😈

Games (O Terceiro Tiro)1967 Games (O Terceiro Tiro) - O diretor Curtis Harrington se tornaria um dos mais importantes no gênero depois de Aldrich. Aqui ele faz uma variação de As Diabólicas de H. G. Clouzot. Simone Signoret (estrela de As Diabólicas) faz uma misteriosa senhora que participa e envolve os jovens James Caan e Catherine Ross em uma surpreendente rede de trapaças criminosas. No elenco Don Stroud.  😈😈

Berserk (Espetáculo de Sangue)
1967 Berserk (Espetáculo de Sangue) - Joan Crawford como ela queria: maquiada, bem vestida, poderosa! O centro do show. Ela é proprietária e apresentadora de um espetáculo circense onde começam a acontecer misteriosas mortes. Michael Gough morre com uma estaca pregada através da cabeça e Diana Dors é serrada ao meio no número da garota na caixa! Enquanto isso, Joan paquera o novo malabarista. Suspense mediano com produção do famoso Herman Cohen, um dos reis do cinema B dos anos 50. 😈😈

The Anniversary
1968 The Anniversary - Bette Davis continua reinando como hag queenThe Anniversary não é suspense, mas é uma das performances mais cínicas já feitas por Bette. Ela é uma viúva milionária, que exerce controle implacável sobre os filhos desajustados e suas companheiras. Os conflitos se intensificam na comemoração de aniversário dela quando todos se reúnem e começam a articular uma forma de se livrar da megera! Produção da Hammer dirigida por Roy Ward Baker. Formalmente é um teatro filmado, cômico, irônico e refinadamente cruel. Bette está insuperável em uma de suas vilãs mais memoráveis, usando tapa-olho que combina com o vestido! 😈😈😈😈

What Ever Happened to Aunt Alice? (A Mansão dos Desaparecidos)
1969 What Ever Happened to Aunt Alice? (A Mansão dos Desaparecidos) - Produção de Robert Aldrich. Ruth Gordon já havia feito O Bebê de Rosemary quando estrelou este suspense ao lado de Geraldine Page. As duas atrizes juntas no mesmo filme já garantem o espetáculo. E coube à grande Geraldine fazer uma das mais divertidas megeras do gênero. Ela mantem sua propriedade roubando o dinheiro de suas governantas e dando sumiço em cada uma delas. Ruth se emprega no local para descobrir o mistério sobre uma amiga desaparecida. Geraldine rouba o filme com sua implacável madame ardilosa, com seu afrontoso cinismo, com seu riso cafajeste! Casa comigo Geraldine!  😈😈😈

What´s the Matter With Helen? (Obsessão Sinistra)
1971 What´s the Matter With Helen? (Obsessão Sinistra) - Curtis Harrington tenta inaugurar aqui o musical de suspense. Desde Lolita (1962) Shelley Winters já era reconhecida como a matrona excêntrica. Ninguém dava bofetões melhor que ela! Shelley e Debbie Reynolds dirigem uma academia de danças infantil e lembranças do passado atormentam Shelley a ponto dela começar a perder o juízo! Talvez tenha números musicais demais na primeira metade, mas Shelley sustenta o show com mais um de seus personagens excêntricos. Debbie Reynolds ainda esbanjando simpatia e boa forma nos números de dança. Participações da impagável Agnes Moorehead como uma ministra religiosa e  o eterno desajustado Timothy Carey como um pedinte de rua. 😈😈

Whoever Slew Auntie Roo? (Fábula Macabra)
1972 Whoever Slew Auntie Roo? (Fábula Macabra) - Shelley Winters é uma milionária que anualmente faz festas de Natal para as crianças de um orfanato. Só que este ano ela quer ficar com uma das garotinhas para substituir sua filha falecida (guardada mumificada em um sótão secreto de sua mansão!). Divertida variação de Hansel & Gretel. No elenco bacana, Lionel Jeffries, Michael Gothard, Ralph Richardson e o eterno garotinho chatinho Mark Lester. 😈😈😈

The Killing Kind (Raça Maldita)
1973 The Killing Kind (Raça Maldita) - Pobrezinha da Ann Sothern, foi atriz exótica nos anos 40 e acabou se especializando em velhas decrépitas, depois dos anos de glória. Nem foi muito citada nas seleções de "megeras do terror", mas aqui faremos justiça à sua figura rotunda de sobrancelhas arqueadas e sempre propensa a muita maquiagem na criação das personagens ultrapassadas e deslocadas de sua época. Aqui Ann não faz muito mais que desfilar de robe o filme todo, mas sua figura ganha profundidade na cumplicidade e proteção ao filho ex-detento (John Savage em um de seus primeiros filmes). A melhor cena é o estrangulamento de Cindy Williams na banheira.  😈😈

É isso! Acho que fechou legal a lista clássica do hag horror. Megeras do terror. Claro que tem muita coisa mais, tem Carrol Baker em Baba Yaga (1973), Anita Ekberg em Killer Nun (A Freira Assassina, 1979), Louise Fletcher em Flowers in the Attic (Jardim dos Esquecidos, 1987), Angie Dickinson em The Maddening (No Limite da Loucura, 1996), e até Tippy Hedren voltou brevemente na participação em Os Pássaros 2 (1994), mas são outros tempos. O período clássico do gênero fica na lista dos destaques.
Atualmente nem soa mais tão depreciativo, uma atriz veterana fazer um filme de terror, ou dois. Virou participação cult, como a de Yvonne de Carlo em American Gothic (1988) ou Angelica Huston em The Witches (1990). Eu ainda espero que Meryl Streep chegue nesse ponto. Ou, quem sabe, Jane Fonda ou Faye Dunaway entrando na onda das véias-do-mal?


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