Bruxarada solta!

Bruxas! Em tempos de discurso empoderado o termo muda de significado? Para sempre alternativas e excluídas, as bruxas sempre foram motivo de polêmica, como agentes do mal ou como forças incompreendidas que deveriam se submeter à ordem em vigor. O cinema usou sua figura folclórica desde sempre, fosse como simples vilã ou para comentários mais aprofundados como em Witchfinder General ou The Devils.

Mas uma seleção é necessária para cumprir este espaço, então alguns (muitos) ficarão de fora como a fantasia cômica A Convenção das Bruxas, ou Maschera del Demonio (Maldição do Demônio) que está mais para filme de mortos revividos do que para bruxaria. Macbeth tem bruxas, mas o assunto é outro, as três solteironas de Bruxas de Eastwick são apenas aprendizes, a trilogia de Dario Argento serve mais aos delírios do mestre e A Bruxa de Blair tem mais bruxa no título do que no filme... Então aí vão 20 filmes enfeitiçados com bruxas presentes e atuantes!

1958 Bell Book and Candle (Sortilégio de Amor) • Kim Novak e James Stewart, o mesmo casal de Vertigo, no mesmo ano de Vertigo. Stewart é um solteirão de vida estabilizada que desperta o desejo da feiticeira Kim em plena Nova York moderna. Fantasia romântica de certa ousadia considerando que grande parte dos personagens são bruxos infiltrados e vivendo normalmente na sociedade contemporânea (dez anos antes de Bebê de Rosemary). Elsa Lanchester (A Noiva de Frankenstein) é a ajudante de Kim e Jack Lemmon é o amigo amalucado. A trilha easy listening de George Dunning e os closes de Kim Novak com a luz especialmente colocada criam um híbrido pop bastante curioso. 😈😈😈

1959 Sampo • Fantasia velha guarda em tom de fábula. Baseada em lenda finlandesa e dirigida pelo gênio russo Aleksandr Ptushko que dedicou a carreira ao gênero fantástico-folclórico com pelo menos um clássico: A Flor de Pedra. Sampo é um engenho mágico de onde brota sal, farinha e ouro infinitamente. O ferreiro-mágico Ilmarinen é o único capaz de construí-lo e a bruxa Louhi sequestra a filha do ferreiro para forçá-lo a construir Sampo. Mas o engenho mágico acaba destruído e como vingança Louhi condena a aldeia de Ilmarinen a uma era de frio e gelo! Visualmente encantador (como ilustrações de livro infantil) e dramaticamente datado, mas justamente por isso um clássico irretocável. No final os aldeões enfrentam a bruxa com uma melodia tocada em harpas mágicas! Para ser visto aos cinco anos de idade e guardado na memória. 😈😈😈😈

1960 City of the Dead • "Witchcraft is not nonsense" diz Christopher Lee. A senhorita Barlow é uma estudante que auxilia nas pesquisas sobre bruxaria orientadas pelo professor Lee. Ela visita a cidadezinha de Whitewood onde, no século XVII, bruxas foram executadas na fogueira. Logo ela estará desconfiando das procissões pelas ruas e descobrindo o que não deve. Os cultos e práticas pagãs podem ter sobrevivido até hoje! Simples e atmosférico em sua eficiente foto preto-e-branco. O roteiro tem uma curiosa semelhança estrutural com Psicose ao eliminar personagens antes da hora! A cópia americana (Horror Hotel) omitia alguns diálogos na abertura, quando um líder Amish pedia a Lúcifer para interceder pela bruxa Elisabeth indo para a fogueira. 😈😈

1962 Burn Witch Burn • Professor de sociologia descobre que sua esposa pratica magia desde seu acidente fatal. É possível que ela tenha salvado sua vida, mas o cético professor insiste para que a dedicada dona-de-casa se livre dos amuletos. Cult bastante climático que sobreviveu muito bem à sua época. Veja mais no post.

1963 La Maldicion de la Llorona (Curse of the Crying Woman) • A Maldição da Chorona?! Gótico mexicano repleto dos clichês visuais, técnicos e narrativos do gênero: teias de aranha por todo o lado, empregado deformado, morceguinhos fake pendurados em fios, mão misteriosa por cima do ombro, enfim, um imperdível show gótico velha guarda com uma longa sequência de flash-back em negativo! Amelia herda a mansão de sua tia e descobre que faz parte de uma linhagem de feiticeiras. Sua presença no casarão fará com que os hábitos da família tenha continuidade quando ela reviver a velha feiticeira cujo corpo está no porão! 😈😈

1966 The Witches (A Face do Demônio) • Joan Fontaine é uma professora transferida para uma pequena comunidade rural no interior da Inglaterra e rapidamente é acolhida pelos locais. Joan simpatiza com um casal de jovens namorados alunos seus e não compreende por que a comunidade é tão hostil ao relacionamento deles. Logo estará desconfiando que a jovem está sendo preservada para uma cerimônia e muitos na comunidade colaboram para isso. Produção Hammer mediana em tudo: suspense e roteiro bastante convencionais. A maior falha é manter o mistério por tempo demais. Muita sutileza e muita elegância, mas a presença simpática de Joan Fontaine garante o sustento deste terror light. 😈😈

1966 La Strega in Amore • Richard Johnson é um historiador que atende a um chamado da reclusa senhora Consuelo. Ela vive em um velho palácio e tem antigos documentos em sua biblioteca, que precisam ser traduzidos. Exemplar gótico contemporâneo. Veja mais no post.

1967 Viy • Baseado em lenda popular adaptada para conto por Leon Tolstói. O jovem filósofo Khoma e dois amigos saem de férias e em suas andanças pelas estradas precisam de abrigo quando a noite cai. Encontram a morada de uma velha senhora que enfeitiça Khoma e acaba sendo morta por ele. Mas a bruxa é filha de um senhor de terras que ordena ao jovem que faça vigília ao corpo da falecida por três noites. Em cada uma das noites o espírito da bruxa irá tentar se apossar do jovem! Clássico dos fantásticos que teve auxílio de Aleksandr Ptuschko na direção de arte e efeitos. Visualmente exemplar em sua autenticidade fotográfica e clima de fábula como na tradição do gênero. Teve uma bela refilmagem em 2014. 😈😈😈😈

1972 Necromancy • Terror B cujo maior atrativo é o elenco. Pamela Franklin muda-se com o marido para uma cidadezinha. Ele recebeu uma ótima oferta de emprego de um certo Mr Cato (Orson Welles). Pamela logo descobre que Mr Cato tem muitas propriedades na cidade, tem controle sobre muita gente e tem quadro do Baphomet na parede! Cato está envolvido com bruxaria e magia negra e através da necromancia quer trazer seu filho morto de volta a vida! Possível tentativa de seguir o sucesso de O Bebê de Rosemary. Suspense mediano, demais preso à sua época, tem trilha bacaninha para órgãos, Pamela e Orson têm uma presença cênica invejável, mas é uma pena que Bert I. Gordon seja um diretor sem muita imaginação. 😈😈

1982 Burned at the Stake (Testemunha do Diabo) • A jovem Loreen é descendente de uma garota que em 1690 entregou uma mulher e sua filha à caça às bruxas. Loreen é agora perseguida pelo marido da condenada, que voltou a vida em plena Salem dos anos 80! Um bruxa moderna precisa ser chamada para solucionar a encrenca! Mais uma vez o diretor Bert I. Gordon no terreno da bruxaria. Este não é tão cult quanto Necromancy, mas é bem mais dinâmico enquanto cinema. A jovem Susan Swift (Loreen) foi Audrey Rose em As Duas Vidas de Audrey Rose e curiosamente aqui seu personagem também sofre pelos tormentos do espírito de uma encarnação anterior. 😈😈

1996 The Craft (Jovens Bruxas) • Bruxaria teen contra bullying! Sarah se muda para uma nova comunidade e conhece três estudantes que tem especial interesse por ocultismo. Ao ingressar no grupo das excluídas, Sarah completa o circuito de energia necessário para o uso de forças sobrenaturais. Então elas empregam seus poderes para se vingar dos maus tratos que sofreram e acabam por provocar forças maiores do que precisavam. Sarah tenta manter o equilíbrio do quarteto. Despretensioso e divertido suspense em nível Sessão da Tarde, mas que não vai muito além dos problemas corriqueiros das adolescentes. No elenco simpático, destaque a Fairuza Balk e Neve Campbell. 😈😈

1996 The Crucible (As Bruxas de Salem) • Na cidade de Salem, Wynona Rider lidera as jovens em um rito de feitiços. Sua paixão pelo fazendeiro Daniel Day Lewis e manobras para se aproximar dele conduzem a conflitos crescentes. O que havia começado como inocentes tentativas de feitiço ganha proporções maiores quando o padre da comunidade descobre o encontro. Em pouco tempo, autoridades religiosas e a população desconfiam que as jovens podem ter ligação com o Demônio! Um grupo de inquisidores é chamado à cidade e o caos se instaura com as sessões de interrogatório e as consequências. Grande drama baseado em peça de Arthur Miller sobre males muito reais como intolerância, irracionalidade, desejos reprimidos, manipulação política e econômica. Tem paralelos com The Devils. 😈😈😈😈

2008 Puffball • Kelly Reilly é uma arquiteta que orienta a construção de sua casa de campo enquanto suas vizinhas são uma família de bruxas. Estranhíssimo drama-terror-fantástico dirigido por Nicolas Roeg. Inclassificável, ousado e muito original. Veja mais no post.

2009 Drag Me To Hell (Arraste-me Para o Inferno) • Christine trabalha em um grupo de crédito e um dia atende a senhora Ganush. Ela precisa de financiamento para não ser despejada mas seu crédito já expirou. Christine não pode ceder aos repetidos apelos da pobre senhora Ganush que revoltada, prepara um feitiço para a jovem. Para azar de Christine a "pobre senhora" é na verdade uma cigana bruxa cujo conceito de vingança envolve visões, pesadelos, hemorragias, insetos pelo nariz e ataques de uma entidade. É a maldição de Lamia. Véia Ganush poderia ter usado esse poder contra os banqueiros, mas enfim... Christine estava mais perto. Dirigido por Sam Raimi depois da bem sucedida trilogia Homem Aranha e voltando ao terror frenético que o tornou famoso em Evil Dead. Não tem muita história e se limita a um festival de efeitos, mas é movimentado, escatológico, cômico e divertido. 😈😈😈

2012 Lords of Salem (As Senhoras de Salem) • Os lords viraram senhoras! Sherry Moon Zombie é um disc-jokey que recebe uma caixa com um LP do grupo de rock Lords of Salem. Música misteriosa, assustadora e quando tocada provoca alterações no comportamento das pessoas. Sherry começa a ter visões e a proprietária do prédio em que ela vive tem amigas muito versadas em ocultismo. Direção de Rob Zombie e possivelmente seu melhor filme. Na "proposta anos 70", sem efeitos digitais, repleto de imagens profanas e com atmosfera mais do que violência, é um dos grandes filmes do fantástico contemporâneo. No elenco de veteranos Judy Geeson, Meg Foster e Ken Foree. Participações cult de Michael Berryman, Syd Haig e Dee Wallace. 😈😈😈😈

2013 Hansel & Gretel: Witch Hunters (João e Maria: Caçadores de Bruxas) • "Bruxa boa é bruxa morta". Aventura em nível super-herói repleta de ação e pirotecnia. Hansel e Gretel cresceram e se tornaram caçadores de recompensa... de bruxas! São chamados para resolver o desaparecimento de diversas crianças de um vilarejo onde a poderosa bruxa Muriel prepara uma poção que a tornará imune às chamas! Produção classe A, com o problema sério de ter ficado pesado demais para a molecada e fake demais para o público marmanjo. Mas é bem movimentado. 😈😈😈

2013 As Bruxas de Zugarramurdi • Em plena era dos discursos de empoderamento, um filme que permite aos machos bastante espaço para reclamação justificada! Grupo de ladrões assalta uma joalheria e na sua rota de fuga escondem-se em um velho vilarejo justamente no momento em que acontece uma convenção de bruxas para a recepção da Grande Mãe. Terror e humor no mesmo bom nível dos outros filmes de Alex de la Iglesia agora satirizando relações entre os universos masculino e feminino. Repleto de situações bizarras e cômicas e com as participações especiais de Carmen Maura como uma das líderes do matriarcado de feiticeiras e Javier Botet (Mama, Rec) como o recluso Luismi. 😈😈😈

2015 The Witch (A Bruxa) • Em 1630 uma família é expulsa de sua ordem e precisa encontrar novo local para se estabelecer. Quando a jovem Thomasin confessa em prece que falhou com os mandamentos, a família começa a se desentender. Especialmente depois do estranho desaparecimento do filho recém-nascido que pode ter sido levado por uma bruxa da floresta. E a família entra em colapso jogando uns sobre os outros suas frustrações e medos em um processo destrutivo. Um dos grandes filmes do terror moderno. Assustador por não deixar totalmente claro até que ponto "forças do mal" atuam sobre a família ou se esse grupo iria se deteriorar de qualquer forma. Também é ousado ao supor que as bases religiosas (católicas no caso) não são por si suficientes para o sustento de um grupo social. "Black Phillip, Black Phillip, king of all..." 😈😈😈😈

2016 The Love Witch • Fantasia erótica inclassificável. Curioso projeto pessoal de Anna Biller que além de dirigir fez a direção de arte, cenografia, figurino, edição e roteiro. Redefine o conceito de filme B! Assume o discurso empoderado e faz a apologia da bruxaria como meio de libertação feminina! Pena que seja tão absurdamente automático e monótono enquanto cinema. Tem ousadias em nudez frontal e estética artificial com suas maquiagens carregadas e profusão exagerada de cor. Elaine é uma bruxa que vive de seus encantos para atrair homens em sua busca pelo amor perfeito, natural, incondicional. Mas geralmente os homens se mostram fracos e desorientados sob a aparente segurança. No final conclui que a mulher sonha mesmo em se casar com o Príncipe Encantado!!! A trilha sonora usa temas de Ennio Morricone (Diavolo Nel Cervello, Giornata Nera). 😈

2016 Don´t Knock Twice • Uma construção abandonada à beira das rodovias tem a lenda urbana que se você bater duas vezes à porta, o espírito da bruxa que ali habita inicia uma caça infinita ao seu espírito. E a jovem Chloe faz exatamente isso, para desespero de Jess, sua mãe que tenta a reconciliação com a jovem depois de anos de separação. Entre sustos, visões e aparições, as duas são levadas à velha construção que funciona como um intervalo dimensional. Terror convencional mas muito bem conduzido pelo novato Caradog James. A virtude do filme é evitar o cinema-pipoca e criar uma atmosfera incomum de ameaça e insegurança com seu excelente jogo visual. Mais uma vez a presença física inusitada de Javier Botet é usada com grande efeito cênico na figura da bruxa. 😈😈😈