Talkin' bout the bad girls! Invariavelmente dominado pela orientação masculina na concepção e ótica narrativa, a produção cinematográfica vem cedendo à presença feminina há algum tempo. Claro que houveram as pioneiras em suas épocas, Ida Lupino, Agnes Varda, Jane Campion, mas eram exceções que confirmavam a regra. As lembranças de protagonistas femininas no cinema também são várias com as revolucionárias Brigitte Bardot e Jeanne Moreau em Viva Maria, Marilyn voando a saia em O Pecado Mora ao Lado, Catherine Deneuve em A Bela da Tarde, Gena Rowlands em Glória, mas também como as citadas diretoras, são casos isolados. Estrelas fetiche com a liberdade artística até onde lhes foi permitido. Jane Fonda por muitos anos caracterizou (nas telas e fora) a mulher independente e politizada, como Meryl Streep faria depois, e as protagonistas dos thrillers de Claude Chabrol também tiveram importância assim como as "mulheres de Almodóvar". Hollywood previu a nova era em filmes como Thelma e Louise, As Bruxas de Eastwick e Aliens, onde até o vilão é rainha!
No terror e suspense a lista de mulheres diretoras vem de longa data, tem Mary Lambert (Cemitério Maldito), Jennifer Lynch (Encaixotando Helena), Jackie Kong (Blood Dinner). Tem as heroínas orientais como em Lady Snowblood e as séries sukeban e pinky violence. Mas apenas recentemente pode-se ver um verdadeiro movimento internacional constituído por conteúdos engajados no trabalho de novas diretoras e personagens significativos dessa tendência. Hermione é a salvação de Harry Potter. Em Harvest (A Ameaça) e American Mary as mulheres conduzem e os homens são apáticos e inúteis. A Chave Mestra repete essa receita e Ginger Snaps deve ser a primeira "lobisomem-fêmea" da história do cinema. Muitas produções contemporâneas estão orientando suas narrativas para esse posicionamento seja do drama consistente (Monster) ao controvertido (Lipstick Under My Burkha).
A seleção aqui tentou um destaque geral tanto de personagens femininas protagonistas como diretoras. Às vezes as duas no mesmo filme! Aqui vai uma pequena seleção de 20 filmes com o levante das empoderadas!
1950 Outrage • Na velha Hollywood, Ida Lupino foi pioneira das atrizes-diretoras a "invadir" a instituição predominantemente masculina. Este Outrage conta o drama da jovem Ann. Violentada por um comerciante próximo de casa, Ann não supera a situação, os olhares preconceituosos, comentários às suas costas e foge da família e da cidade. Passa a rejeitar a presença masculina a ponto de reagir com violência em uma situação que vai a tribunal. Pioneiro drama B de empoderamento, mas de narrativa convencional e evolução óbvia. Seu ponto forte é a direção firme na condução do elenco. 👢👢
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1965 Faster Pussycat, Kill, Kill • Clássico do pop nível B. Tura Satana é a líder de um trio da dançarinas que perseguem um jovem rico com a intenção de roubar seu dinheiro. Subvertendo todas as regras do estereótipo feminino, Tura e suas comparsas são desbocadas, briguentas e matam sem piedade! Dirigido por Russ Meyer, o filme é uma fantasia pop, um ícone da cultura alternativa, equivalendo no cinema ao pulp dos quadrinhos e livros de bolso da época. Inventivo visualmente, dinâmico tecnicamente, afrontoso o tempo todo! 👢👢👢👢
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1966 The Anniversary • Não resisti a destacar a grande Bette Davis em um de seus momentos mais memoráveis de vilã. Suspense satírico sobre uma família tramando o desaparecimento da irredutível, implacável, insuportável matriarca dominadora. Já comentado em Megeras do Terror. 👢👢👢👢
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1968 She Devils on Wheels • Direção de Herschell Gordon Lewis contando sobre as aventuras de uma gangue de motoqueiras, as "Men Eaters"!!! Elas recebem novatas na patota, saem na porrada com machos rivais e apelam a violência para se livrar de inimigos, com destaque à mais hilária decapitação já feita. Só podia ter virado cult na linha "é ruim mas é bom"! Já incluído em Gênios do Pior. Veja lá! 👢
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1970 Wanda • Drama independente com toda a virtude do alternativo. Wanda é uma jovem desajustada, sem emprego, sem dinheiro e sem destino. Até que envolve-se com um ladrão e começa a participar de sua vida de crimes. Curiosa variação do estereótipo anti-herói masculino aqui protagonizado pela jovem Wanda. A produção é mínima, com cenários e luzes naturais, filmagem nas ruas, som irregular e direção displicente. Mas tem a seu favor o empenho no destaque à vida marginal de uma protagonista feminina. Escrito e dirigido pela atriz Barbara Loden, que trabalhou com Elia Kazan em Rio Violento e Clamor do Sexo. Considerado uma obra-prima perdida, na verdade é apenas uma curiosidade independente. 👢👢
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1971 The Female Bunch • A jovem Sandy integra um grupo de mulheres que abandonou a vida social urbana e se tornou marginal. Na tradição do western elas fogem para o México em busca de dinheiro, bebedeiras e homens fáceis! Trashão assumido em seu desleixo geral tentando parecer um faroeste contemporâneo e com algumas ousadias em consumo de drogas e erotização. Dirigido pelo rei-da-podreira Al Adamson. Interessante na premissa mas imperdoável no resultado. No elenco, Russ Tamblyn e Lon Channey Jr (quase sem voz) em seu último momento nas telas. 👢
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1973 Coffy • Clássico da blaxploitation com Pamela Grier se vingando da gangue de traficantes que matou sua irmã. Ela se aproxima do cafetão George para se infiltrar na quadrilha e chegar até seu chefe. Destaque a Syd Haig como um dos capangas da gangue. Grande trilha sonora soul composta por Roy Ayers. 👢👢👢
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1973 Sukeban (Girl Boss Revenge) • Bom exemplar do gênero sukeban (delinquência feminina) que alterna muita pancadaria e momentos sádicos a toques de humor como atenuação. Quatro garotas fogem de um transporte carcerário e vão para Osaka na busca de recomeço. Envolvem-se com o crime local e rivalidade entre quadrilhas. Terceiro filme da série de cinco sukeban/girl boss. 👢👢👢
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1976 Lipstick (A Violentada) • Pioneiro rape revenge. Margaux Hemingway é uma top model que é violentada e leva o caso aos tribunais. Mas o agressor é liberado pela justiça e volta a se aproximar da modelo, desta vez pondo em risco sua irmã mais nova! Margaux precisa reverter a situação para por fim às ameaças e ataques. Muito famoso em sua época e muito criticado pela premissa medíocre e apelativa. Destaque a Chris Sarandon (em seu segundo filme, logo depois de Um Dia de Cão), compondo um vilão tão alternativo que além de pervertido e violento também é compositor de música eletroacústica! Trilha sonora do astro pop Michel Polnareff. 👢👢👢
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1978 Day of the Woman (A Vingança de Jennifer) • Clássico modelar dos chamados rape revenge. Jennifer é uma escritora que se isola em uma cabana na floresta para uma temporada reclusa. Mas é atacada por quatro tipos locais em uma longa sequência de violência. Finalmente, Jennifer se recupera e parte para a punição dos quatro. Simplório e direto, sem subtemas e também por isso incômodo enquanto forma fílmica. Indigesto e ainda assustador em sua violência sem atenuantes. Tão brutal que entrou para as listas de video nasties na era do VHS e hoje é um cultuado pioneiro do extreme. 👢👢👢
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1997 Office Killer • Dirigido pela artista plástica Cindy Sherman e com notável relação com seu trabalho fotográfico. Funcionária enlouquecida de uma redação de revista de moda coleciona corpos de seus rivais de serviço. Sátira e suspense em uma ótima variação no personagem serial killer. Veja o post.
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2003 In the Cut (Em Carne Viva) • Direção de Jane Campion (O Piano). Meg Ryan é Frannie, uma professora envolvida com um detetive que investiga assassinatos na região. Ela desconfia que o investigador com quem está se relacionando pode estar implicado nas mortes. Frannie não é o melhor exemplo de empoderamento feminino, mas com homens pervertidos (o detetive Mark Ruffalo) ou desequilibrados (Kevin Bacon) ao redor, o filme a elege como condutora do drama. Variação emocional no gênero suspense, só que... 120 minutos de narrativa conduzida pela personagem instável emocionalmente pode não ter sido uma boa estratégia. In the Cut destaca-se da média pelo bom trabalho estético criando um universo noturno de sombras, desfoques e luzes irreais. 👢👢
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2003 Monster • Dirigido por Patty Jenkins, Monster é o "lado errado" do empoderamento! Charlize Theron é Aileen, uma jovem desajustada vivendo na marginalidade e que precisa recorrer à prostituição para conseguir algum dinheiro. Quando é atacada brutalmente por um cliente consegue revidar e ficar com o revolver do agressor. Passa então a roubar todos os clientes seguintes. Com o estado emocional progressivamente abalado, Aileen chega ao extremo de assassinar os homens com quem sai pelo dinheiro! Cruel e sufocante estudo sobre a marginalidade com destaque a Charlize Theron dando um baita show com o desequilíbrio da protagonista progredindo na direção do colapso mental, além de uma impressionante incrível fantástica caracterização física. 👢👢👢👢
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2007 Straightheads (Olho Por Olho) • Título alternativo, Closure. Drama de vingança com Gillian Anderson. Ela e seu jovem namorado são atacados violentamente na estrada por um trio. Juntos planejam uma vingança, mas os planos irão se mostrar bastante difíceis de ir adiante. Questões morais e emocionais interferem de forma imprevista. Uma variação muito rica no gênero vingança que tanto consegue apelar ao violento quanto fazer um estudo realista e emocional da situação. O estupro de Gillian e o espancamento de seu acompanhante levam a reações diversas e "fazer justiça" pode ser tão penoso quanto ter passado pela agressão! 👢👢👢
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2009 The Countess (A Condessa) • Notável empenho da atriz Julie Delpy aqui assumindo o roteiro, atuação, direção, e trilha sonora! Ela interpreta a Condessa Bathory, mais lembrada como a Condessa Drácula, que nas intrigas da corte e o amor não correspondido por um homem mais jovem, descobre (ou assim lhe parece) que o sangue pode restaurar sua juventude. Julie encomenda algumas mortes de aldeãs e assistentes do castelo até ser descoberta por rivais que podem ser beneficiados por sua queda. Perfeito em todos os aspectos de direção, em nuances emocionais muito bem dosadas e narrativa elegante. A rigor é um drama de época que se aproxima de um filme de horror em algumas passagens. 👢👢👢👢
2009 Jennifer´s Body (Garota Infernal) • Direção de Karin Kusama (de O Convite). Megan Fox e Amanda Seyfrid são amigas eternas desde a infância. Agora em idade escolar Megan é a cheerleader mais perseguida da escola e Amanda a nerd. Quando Megan embarca em uma noitada suspeita com os integrantes de um grupo de rock, volta alterada e com um apetite insaciável por sangue! Amanda precisa desvendar o mistério da amiga que começa a devorar os alunos do colégio. Terror pop convencional que parece referenciar as fitas dos anos 80 em suas motivações juvenis e gratuidade de ações. 👢👢
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2014 Julia • Drama e suspense que surpreende na variação narrativa. Julia é assistente em uma clínica de cirurgia plástica. Depois de dopada é estuprada por quatro homens e passa a viver de forma ainda mais reservada do que antes. Sem amigos e sem buscar ajuda, Julia finalmente ingressa em um grupo de garotas, também vítimas de violência, que forma uma espécie de sociedade dedicada à punição aleatória de homens. Mas contra a vontade da organização, Julia decide localizar seus agressores e puni-los! Na linha dos rape revenge, mas com uma postura diferenciada em seus caminhos narrativos. Enigmático, cruel e desconcertante nas variações de ação e com um senso estético notável em sua cenas noturnas e luzes estilizadas. Uma boa surpresa que revigora o gênero revenge. 👢👢👢
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2015 Even Lambs Have Teeth • Mais um da série "bora fazê filme". Duas garotas vão passar temporada em uma eco-fazenda-comunidade, mas são raptadas no caminho, aprisionadas e servem a uma rede de prostituição. Quando conseguem escapar, desistem da fuga no meio do caminho e voltam para punir todo mundo! Meio enlouquecidas, matam, incendeiam e mutilam com a maior naturalidade. Exemplar da era de facilidades digitais que nunca convence: é tudo muito limpinho, direção fraca e de uma gratuidade absurda nas ações. 👢
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2015 I Spit On Your Grave 3 (Doce Vingança 3) • Sequência do primeiro Doce Vingança. Sara Butler volta como Jennifer Hills, agora se tratando por traumas passados e pesadelos recorrentes. Ela procura ajuda em um grupo de terapia e se envolve com diversos casos de violência relatada. Incentivada por uma amiga do grupo, decide punir alguns agressores. Variação criativa no gênero que escapa da óbvia vingança pessoal e desenvolve uma teia de ações e consequências bem rica. Violentíssimo em momentos, mas com roteiro bem mais inteligente que a média troglodita habitual do gênero revenge. 👢👢👢
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2018 Revenge • Jen é uma atraente garota que acompanha Richard à sua casa em uma propriedade isolada à beira mar. O programa é um dia de farra a dois antes da temporada de caça da qual Richard e seus sócios irão participar. Mas os dois sócios chegam antes da hora e a atração pela bela jovem vai provocar reviravoltas. Deixada para morrer depois de uma queda fatal, Jen reunirá forças para uma sangrenta vingança. O que dizer aqui?! Produção franco-belga e o primeiro filme da diretora Coralie Fargeat, Revenge é de uma gratuidade afrontosa! A começar pelo primeiro empalamento que não é mortal visto no cinema!!! Nem Rambo teria escapado, mas seja como for o filme ganha o espectador em sua narrativa precisa da qual é impossível se desligar, além de ter momentos sangrentos que agradarão aos fãs do gore-cinema. 👢👢
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