On the Road

Seleção de aventuras na estrada! Derivando esteticamente dos faroestes, os road movies também serviram a questionamentos das bases civilizadas que supostamente nos orientam nesta época de evolução industrializada. Somos "civilizados" só quando tem testemunha por perto?! Nas estradas não tem ninguém vendo, então os princípios são outros?! E o prazer catártico da aventura em terra de ninguém é algo sintomático e assustador que coloca em questão nossos fundamentos morais.

A estrada também foi simbólica da geração drop-out como a rota de fuga da velha e falida sociedade de princípios exploratórios e que exclui os discordantes, como o genial Vanishing Point coloca tão bem. Esse é possivelmente o filme que melhor tenha capturado o sentido psicológico de "pegar a estrada" e se evadir (vanish).

Alguns filmes como o noir Thieves Highway (1949), ou o drama O Salário do Medo (1953) já haviam explorado a estrada como terra de ninguém, ameaçadora e aventureira. Easy Rider (1969) mostrou o(s) caminho(s) com a produção barata e um cenário pronto. As variações foram muitas como o policial Rota Suicida (1977), as aventuras Gumball Rally (1976), Cannonball (1976) e as refilmagens cômicas (Cannonball 1981, 1984) ou existenciais como em Paris Texas (1984), Bagdad Café (1987) ou Two Lane Blacktop (1971). Black Phillip faz então seu levantamento de 20 aventuras pé-na-estrada. 

1971 Duel (Encurralado) • Minimalista e esteticamente genial. Primeiro grande sucesso de Steven Spielberg. Duel fez pelas aventuras road movies o mesmo que Jaws fez para os filmes de tubarão! Dennis Weaver é o típico homem classe média que vai fazer uma entrevista de emprego. Na estrada ele ultrapassa um misterioso caminhão e o que a princípio parece um confronto passageiro entre os motoristas, toma proporções perigosas quando o caminhão insiste em persegui-lo pelas estradas desertas. Com roteiro de Richard Matheson, Duel extrapola a simples aventura e entra para o fantástico quando deixamos de ver o motorista e o próprio caminhão se converte em personagem. Um monstro da era industrial. Produzido para a TV e comercializado nos cinema tal a qualidade do resultado. Ainda um grande filme de se ver! Teve uma refilmagem fajutíssima em Wrecker (2015). 😈😈😈😈

1974 Dirty Mary Crazy Larry (Fuga Alucinada) • Uma visível consequência dos filmes que assumiram causas contraculturais como Easy Rider e Vanishing Point. Mas o diretor John Hough (Casa da Noite Eterna) não pretendia ir muito longe e entrega um filme que se concentra em aventura e ação. Peter Fonda e Adam Roarke assaltam um mercado e na rota de fuga levam a andarilha hippie Susan George. Fonda é piloto de corridas automobilísticas e nada o detém pelas estradas até que entra em cena o determinado xerife Vic Morrow perseguindo-os de helicóptero. Um clássico de sua era. Só não é melhor porque não tem o Warren Oates.  😈😈😈

1974 Cani Arrabbiati (Rabid Dogs) • Quadrilha de assaltantes foge com o dinheiro de um roubo e sequestra uma mulher e um veículo com seu motorista e filho adoentado. Partem pela estrada em uma fuga agoniante e infinita. Genial exercício de suspense que leva a ação para a estrada mas mantém a tensão no veículo da quadrilha. Confrontando os amplos espaços desertos e a claustrofobia de dentro do carro, Rabid Dogs é um desconforto estético e emocional como poucos. Muitos closes e planos fechados criam a atmosfera e contribui para o clima exaustivo, o infinito sincopado rítmico da trilha sonora de Stelvio Cipriani. Dirigido por Mario Bava em uma pausa entre seus habituais delírios góticos. 😈😈😈😈

1974 Deadly Strangers (Terror Mortal) • Hailey Mills pega carona pelas estradas do interior inglês onde um assassino fugido de um manicômio faz vítimas. Curiosa variação nos road movies que troca os habituais desertos ianques pelas paisagens inglesas e muita chuva. Hailey se envolve com um caminhoneiro tarado, dois motoqueiros, um excêntrico lord em seu conversível vintage e Stephen, um jovem voyer bastante suspeito que lhe oferece carona. O roteiro brinca muito bem com a troca de expectativas e pistas falsas e preenche a pouca história com flash backs traumáticos dos dois protagonistas. Hailey (que já foi Pollyanna) arrisca uns strips até ousados! 😈😈😈

1975 Race With the Devil (Corrida Com o Diabo) • Peter Fonda e Warren Oates testemunham uma execução em ritual satânico e são perseguidos pelos integrantes da seita. Aventura cativante e que virou cult justamente por sua absoluta gratuidade. A premissa mínima serve de pretexto para o desfile de perseguições, trombadas e capotagens, e é isso mesmo o que queríamos ver! No elenco, o veterano R. G. Armstrong, de inúmeros westerns, faz um xerife que atende os protagonistas. Loretta Swit (MASH TV) e Lara Parker são as esposas, mas que em tempos pré-empoderamento apenas gritam e tem xilique. A ação fica nas mãos dos machos alpha que garantem os tiroteios e destruição. 😈😈😈

1975 L´Agression (A Agressão) • Jean Louis Trintignant viaja de carro com sua esposa e filha e é provocado por uma gangue de motoqueiros. Depois de sofrer um acidente na estrada e capotar, Trintignant recobra a consciência e descobre que sua mulher e filha foram mortas. Busca então se vingar da gangue e acaba provocando uma ação popular na comunidade próxima. Curioso suspense francês com mais estudo emocional do que ação. Esfria na metade pelo estudo de reações e relações entre personagens e as consequências sociais dos atos, mas retoma a ação justiceira na parte final. Vale principalmente pela alternativa no gênero vingança. Catherine Deneuve é a cunhada que tenta ajudar Trintignant em seu desequilíbrio emocional e serve de debatedora nas questões morais do protagonista. 😈😈

1977 Grand Theft Auto • Primeiro longa de Ron Howard e com produção de Roger Corman. Ron e sua namorada Nacy Morgan pretendem se casar, mas os pais dela são contra. Nancy rouba o Rolls Royce do pai e o casal foge para Los Angeles. A sogrinha então lança publicamente um prêmio para quem puder trazer sua filha de volta, iniciando uma caçada pelas estradas! Divertida e amalucada aventura repleta de trombadas e capotagens. O argumento já dá uma ideia da pretensão (ou despretensão) da película onde o que vale é realmente o clima anárquico e a destruição a cada momento. Howard faria em seguida Night Shift (Corretores do Amor, estréia de Michael Keaton) e se consagraria no sucesso de Splash, Uma Sereia em Minha Vida. 😈😈😈

1977 Autostop Rosso Sangue • Franco Nero e Corinne Clery são um casal em viagem de carro pelo interior. Quando param para ajudar um acidentado, são rendidos por David Hess, um fugitivo armado e perigoso. Pesadão e cafajeste como só o cinema italiano soube fazer. Veja no post.

1978 Convoy • Kris Kristoferson e Burt Young entram numa treta de bar por causa do xerife corrupto Ernest Bornigne. Na tradição do western, fogem para a fronteira do México seguidos pela lei e agregando mais caminhoneiros no caminho. O grande comboio ganha as estradas, vira notícia nacional e se torna uma manifestação de nível sócio-político. Poderia ter sido o ultimate film em aventura na estrada, mas o toque de humor não encaixou muito bem. Sam Peckinpah ausente da direção por motivos diversos teve ajuda de amigos (entre eles, James Coburn) na direção de algumas cenas. Irregular e humorado, mas seja como for o final subverte a tragédia e os excluídos triunfaram até pelo riso do xerife Bornigne. A intenção que Peckinpah teve em deixar o outlaw Billy the Kid vivo em Pat Garret & Billy the Kid, por vias indiretas foi satisfeita aqui. 😈😈😈

1979 Mad Max • Clássico pop repleto de virtudes em sua produção B. Max é um policial de estrada em um mundo apocalíptico no qual as rodovias são uma terra de ninguém dominada por gangues de motoqueiros que pilham e matam à vontade. Depois de perder sua esposa e filha, Max parte para uma cruzada insana contra os marginais. Grande aventura que deu ignição na carreira de Mel Gibson e do diretor George Miller e virou série de sucesso. Considerando a produção B, é invejável a excelência estética alcançada. 😈😈😈😈

1981 Road Games (Enigma na Estrada) • Stacy Keach é um motorista de caminhão que começa a suspeitar das ações do motorista de uma van, que ele revê regularmente pela estrada. As notícias sobre crimes e corpos desmembrados podem ter relação com essa van. Ótimo suspense feito na Austrália e com direção de Richard Franklin (Patrick, Psicose 2). É detalhista demais na criação de suspense e esfria na metade. Mas apesar da estrutura "invertida", com ação no começo e mistério no fim, consegue manter o interesse. Em parte a qualidade é garantida pela dupla central: Stacy Keach e participação de Jamie Lee Curtis. A trilha do maestro Brian May (Mad Max) parece não se encaixar em nenhum momento. 😈😈

1982 The Junkman • Depois do cult alternativo Gone in 60 Seconds (1974) o diretor H. B. Halicki volta a sua paixão por carros nesta aventura independente. A paixão por veículos e velocidade inclui naturalmente carros trombando e explodindo e The Junkman é uma aventura amalucada sobre um diretor de cinema que se torna alvo de seus adversários. Um grupo de matadores é acionado para por fim em sua carreira! E o roteiro é esse: perseguição e trombadas espetaculares muito bem filmadas, considerando a produção nível B. O destaque são as incríveis caçadas de avião pelas estradas. Um curioso híbrido entre qualidade técnica, com ótimas filmagens e edição dinâmica contrastando com uma direção displicente, elenco amador e figurantes rindo em cenas de perigo! Gone in 60 Seconds é citado a todo momento em cartazes, anúncios e camisetas. 😈😈

1986 The Hitcher (A Morte Pede Carona) • O jovem Jim Halsey (C. Thomas Howell) dá carona inadvertidamente a John Ryder (Rutger Hauer), figura misteriosa, até descobrir que ele é um maníaco assassino que ataca pela estrada. Jim consegue escapar do maníaco, que inicia assim uma caçada ao jovem, possivelmente o único antagonista como John Ryder nunca havia encontrado. O jogo então começa e a ação progride como um pesadelo que resvala no sobrenatural especialmente no memorável confronto do epílogo. Mais do que um mero matador, John Ryder é uma entidade à espera de um combate no seu nível. Surpreendente suspense que marcou época nos cinemas por sua invejável eficácia e violência. Teve uma refilmagem bem bacana em 2006. 😈😈😈😈

1988 Cohen & Tate (Uma Criança Por Testemunha) • Um dos últimos filmes memoráveis de Roy Scheider! Ele e Adam Baldwin são dois capangas de mafiosos que levam um garoto no banco de trás de seu carro. O garoto foi testemunha de um crime e a dupla precisa levá-lo aos superiores. Quando o jovem percebe a inimizade e antipatia entre seus raptores, começa a jogar insinuações que intensificam o desequilíbrio da dupla a ponto da ruptura entre eles ser inevitável. Genial suspense todo passado à noite em estradas e postos de gasolina, com um roteiro que evolui muito bem a antipatia entre os protagonistas e o suspense pelas consequências. Um road movie alternativo, irônico e trágico. 😈😈😈

1997 Breakdown • Kurt Russel e Kathleen Quinlan são um casal em viagem. Seu carro dá pane em uma autoestrada deserta e aparece um motorista de caminhão (J. T. Walsh) para ajudar o casal. O ligeiro auxílio vira um pesadelo para Russel quando a esposa desaparece depois da carona do motorista e a polícia não parece muito capaz de fazer alguma coisa. Ele então precisa empreender uma desesperada investigação por conta própria para descobrir o paradeiro da esposa! Aventura e suspense muito legal que tanto consegue satisfazer as ações mirabolantes do cinema americano pós-Die Hard quanto manter um pé na tradição dos road movie de raiz. Um filme perfeito, sem maior pretensão além da aventura. Mais ou menos baseado em Spoorloss/The Vanishing. 😈😈😈😈

1997 U-Turn • Dirigido por Oliver Stone ainda sob efeito do Natural Born Killers. Sean Penn está levando um pagamento em dinheiro a um mafioso e seu carro quebra  na estrada. A habitação mais próxima é um vilarejo no meio da poeira e ele começa a se envolver com os locais enquanto espera o conserto do veículo. Insano neo-noir com as habituais intrigas entre femme fatale (Jennifer Lopez) querendo matar o marido rico (Nick Nolte) e personagens excêntricos em uma infinita gincana de erros e reviravoltas fatais (u-turn). Tragicômica aventura com música de Ennio Morricone emulando satiricamente suas trilhas para faroestes. Insano, trágico e cult e se conclui com o riso demente de Penn, remetendo a Peckinpah e Huston. Um grande momento do diretor, mas que curiosamente não teve a repercussão merecida.  😈😈😈😈

2001 Joy Ride (Perseguição) • Paul Walker e Steve Zahn são dois irmãos que em viagem de carro por estradas interestaduais, começam uma brincadeira de trote por rádio PX entre caminhoneiros até que são localizados pelo motorista alvo das brincadeiras. Desequilibrado e meticuloso, o misterioso motorista se lança à perseguição e punição dos dois jovens e a garota que os acompanha. Suspense que cita Duel e The Hitcher, mas que resulta meio desengonçado com suas quebras rítmicas e situações simplórias. Curiosamente tenta escapar do "clichê western" e ambienta grande parte de sua ação em espaços noturnos. Irregular, mas ainda assim merece uma checada pelos fãs do gênero. Por algum motivo foram feitas duas sequências Joy Ride. 😈😈

2004 Highwaymen (Velozes e Mortais) • O que esperamos por muitos anos: outro filme de estrada dirigido por Robert Harmon, que marcou época com seu clássico A Morte Pede Carona. John Caviezel é um solitário motorista no encalço de um maníaco homicida que ataca pelas estradas. As pendências pessoais entre os dois motoristas movem a trama até que entra Molly, uma jovem que passa a dividir a atenção dos dois antagonistas em um duelo pelas estradas. Assim, Highwaymen cita um monte de coisas em bons momentos, mas infelizmente não tem a inventividade do antecessor. Faltou roteiro, mas pelo menos é uma aventura bem decente de perseguição e vingança com a autenticidade fotográfica esperada. 😈😈😈

2007 Death Proof (À Prova de Morte) • Kurt Russel é um dublê enlouquecido que usa seu carro preparado para cenas de perigo como uma arma de matança pelas estradas. Dois grupos de garotas viajando pela estrada serão vítimas do maníaco. Tarantino revê sua paixão pela mitologia cinematográfica em mais um filme/reverência. O "problema" é o mesmo de sempre: Death Proof é uma grande brincadeira entre amigos, daquelas que só curte quem participou. Um fan film com recursos profissionais. Cita muita coisa, recicla as trilhas dos filmes europeus e refere especialmente a Vanishing Point. 😈😈😈

2012 Transit • John Caviezel volta a estrada neste aventura mediana. Ele viaja de carro com a esposa e dois filhos. Em uma parada de revista, uma quadrilha esconde o dinheiro de um assalto no carro da família e os persegue posteriormente para reaver o dinheiro. Mas a manobra de emergência para despistar as autoridades será fatal para todos os envolvidos. Caviezel descobre o dinheiro e decide escondê-lo pondo em risco sua família. Thriller sem muita imaginação e bastante prejudicado pela estética contemporânea: a captura digital não ajuda na autenticidade e a tremedeira nos takes e os cortes rápidos chegam a incomodar em sua tentativa de "inventar" dinamismo. 😈😈

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