O gosto adquirido pelos filmes ruins em plena era dos cancelamentos! Em uma cultura que é levada a idolatria cega de valores de produção monopolizados por altos investimentos, o gosto alternativo em cinema passou a compreender também os "filmes lixo" como produções de valores (culturais e artísticos) específicos e não a simplesmente excluí-los sob julgamento depreciativo. O estreito espaço entre o aceitável e o inaceitável, encontra sempre uma saudável e generosa margem de comentário quando se fala em cinema trash.
Mas enquanto na produção considerada A, temos os filmes imprescindíveis e os filmes pretensiosos, na produção B (e C) também temos uma cisão entre os pobretões "talentosos" e os pobretões "pelamordedeus porque você fez isso?" Se há uma "defesa alternativa" a esses filmes é a falta de noção conceitual e principalmente a inépcia em direção dramática. E se você já viu Ed Wood sabe que nem todos os empenhados em filmar pretendiam a calçada da fama.
Aqui vai mais uma desafiadora seleção de sub-cinema em variantes de cotação entre "fraco" 😈 e "bomba" 💣, mesmo para os fãs de esquisitice fílmica, que convivem generosamente com os erros em cinema. A grande vantagem, a maior defesa aqui, é que para estudantes de roteiro, cinema ou narrativa audiovisual, os "filmes errados" podem ser uma valiosa aula sobre equívocos técnicos e os riscos da exposição profissional.
Aí vai uma seleção de 15 coisas filmadas, em uma lista que obviamente não pretende ser a definitiva no "gênero". Outras virão na sede incansável do Felipe Preto....
1971 Necrophagus • Gótico espanhol. Com a vantagem de uma ótima fotografia e a ambientação em autênticos castelos decrépitos, Necrophagus é um show em atmosfera gótica e dramaticidade brega. George é um cientista que volta ao castelo da família e na busca pelo corpo de sua falecida esposa, descobre uma trama científica em criação de vida artificial. Dirigido em modo "novela mexicana", repleto de sobressaltos e revelações, o filme é uma sucessão absurda de eventos bizarros que nem compõem um encadeamento narrativo. Reservado aos curiosos.
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1971 La Notte Dei Dannati • Jean Duprey é um jornalista investigativo que recebe um telegrama do velho amigo Guillaume, para uma visita em sua mansão. Bastante debilitado em sua saúde, Guillaume também está à beira de um colapso mental por suas descobertas. As investigações de Duprey se deparam em uma rede de rituais eróticos conduzidos pela esposa do velho amigo, que pode ser uma bruxa! Gótico à deriva das correntes da época e desnorteado de ingredientes. Repleto de corredores com armaduras e cortinas esvoaçantes, e que cumpre seu tempo com longas sequências de erotismo. Na equipe de desconhecidos constam o maestro Carlo Savina na trilha sonora e Pierre Brice, ator da longa série Winnetou, como o jornalista.
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1972 Estratto Dagli Archivi Segreti Della Polizia Di Una Capitale Europea • Parece que os títulos italianos eram ainda mais bizarros que os brasileiros. Pois bem, neste terror abaixo da média, grupo de playboys desocupados fica sem gasolina na estrada e se abriga em um casarão onde ritos macabros ocorrem. Precisam fugir, mas a garota do grupo parece estar em estado de possessão. Direção nula de Ricardo Freda (sob pseudônimo de Robert Hampton) com destaque ao amalucado e sangrento fim da cerimônia no casarão! Participações perdidaças de Luigi Pistilli (o dono do casarão) e Luciana Paluzzi (sua esposa). Pepe Calvo, o taberneiro de Por Um Punhado de Dólares, faz um misterioso atendente de posto de gasolina. Sua aparição anunciada por trovões é especialmente hilária. Camile Keaton (A Vingança de Jennifer) faz beicinho o tempo todo. Mais Camille Keaton aí no fim da lista.
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1973 La Rebelion de Las Muertas • O diretor argentino Leon Klimovsky fez carreira no terror espanhol dirigindo coisas B como esta que poderia facilmente passar por um filme brazuca dos anos 70! Entre os altos e baixos da carreira do diretor (muitas vezes em parceria com Paul Naschy), este Rebelion De Las Muertas tropeça feio na lentidão quase amadorística e direção sem empenho algum. Elvire é uma jovem buscando meditação nas sessões do Mestre Krisna (Naschy). Mas os envolvidos nas sessões começam a ser perseguidos e mortos por mulheres revividas. Produção mediana na qual o empenho dos envolvidos é mais comovente do que o resultado, marcada especialmente por uma extravagante trilha sonora pop-retrô que não se encaixa em momento algum.
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1974 Mania • Do mesmo diretor Rite e Magie Nere Nel Trecento, Renato Polselli e no mesmo nível de show de horrores. A vantagem é que para quem curte uma comédia involuntária este Mania é o paraíso do desarranjo. Lisa descobre que seu marido cientista está tendo um caso adúltero e é levada a enlouquecer quando o irmão gêmeo do marido assume as instalações do laboratório, tomando seu lugar. Kitsch, folhetinesco e insano exercício cênico de situações absurdas. Lisa grita o tempo todo, é perseguida por um veículo vazio na estrada, a assistente surda se comporta como deficiente mental, a estética é grotesca, o laboratório é nível Plan 9, as inserções de nudez são em nível pornochanchada, enfim, Mania é uma viagem ao pior dos anos 70. Pode ser visto como pioneiro do terrir. Divirta-se!
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1977 The Child • Trash americano em nível amador. Alicia é contratada como governanta em uma casa de campo para cuidar especialmente da adolescente Rosalie, uma jovem problema que passeia à noite pelo cemitério e tem estranhos amigos-entidades que vagueiam pela região. Apesar dos bons cuidados fotográficos e do rendimento atmosférico na parte final, The Child compromete na direção inepta de atores que parecem repetir mecanicamente diálogos decorados. Ganhou certa notoriedade justamente pela esquisitice em cinema.
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1978 Terror (O Ente Diabólico) • Uma equipe de técnicos e envolvidos em cinema B é atacada por uma força destruidora que os vai eliminando em sequência. Curiosa produção inglesa de segunda mão, no limite do trash, que alterna a pobreza geral (elenco e direção ruins) a inúmeras ideias criativas, mas em realização técnica também desnivelada. Sangrento, insano e divertido. Como Pete Walker, o diretor Norman J. Warren foi um dos poucos diretores sleazy atuantes no habitualmente formal cinema britânico.
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1978 The Meateater • Casal de classe média, entediado com a vida estabilizada decide comprar um velho cinema para uma mudança na rotina. Mas o prédio abriga um enlouquecido que ataca algumas pessoas na sessão de estreia. Não há nada mais constrangedoramente ruim do que o trash ianque dos anos 70. Esta é uma peça inepta em direção e elenco amador. Prova de fogo a quem se diz fã de filme trash.
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1980 El Canibal (Devil Hunter) • Em sua prolífica e notória carreira de artífice do cinema sleazy, Jess Franco redefiniu aqui o conceito de "câmera lenta"! A lentidão narrativa e as cenas esticadas além do necessário configuram um estado conceitual além da monotonia. Al Cliver é um ex-soldado que tem a missão de resgatar uma bela modelo sequestrada. Mas o local do resgate é uma selva na qual uma tribo de nativos faz sacrifícios a um suposto Deus-Canibal. Esteve incluído como video nasty mais por causa das cenas de nudez, com o Deus vagando pela mata com o piruzão pra fora, do que pela violência.
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1981 Madhouse • Julia tem uma irmã gêmea cuja degeneração física equivale à mental. Quando ela escapa da internação, Julia se vê às voltas com crimes brutais que ocorrem com pessoas próximas a ela. Direção de Ovidio Assonitis (Tentáculos) em um desastroso resultado de clichês, elenco ruim e surpresas absurdas. Nem a música de Riz Ortolani se salva, com seus efeitos de percussão eletrônica que mais atrapalham do que auxiliam as cenas.
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1984 Silent Madness • Slasher manjado, dos muitos feitos no período. Silent Madness é especialmente interessante pelo desarranjo geral à beira do amador. Maníaco assassino é libertado por engano do sanatório e volta à república de garotas onde havia cometido uma série de crimes. Uma doutora desconfia da situação e se hospeda na estalagem para investigar. Lento, previsível e, para piorar, teve alguns momento sangrentos reduzidos no corte final. Originalmente em 3D com ocasionais ações em close na tela. A mais bizarra é uma machadinha arremessada! Reservado aos fanáticos pelo gênero, ou para quem pretende fazer listas como esta...
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1987 The Curse (A Maldição - Raízes do Terror) • Baseado em A Cor Que Caiu do Espaço de H. P. Lovecraft esta produção fuleira do tempo do VHS hoje não serve nem ao saudosismo pelas tranqueiras dos bons tempos do home-video. É o primeiro filme dirigido pelo ator David Keith (de Brubaker, Chamas da Vingança e O Maníaco do Olho Branco) e a história é sobre a transformação que ocorre em uma fazenda depois da queda de um meteorito. A contaminação na água leva a transformações na flora, no comportamento dos animais e dos habitantes, que enlouquecem progressivamente.
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2016 The Suffering • Corretor imobiliário visita as propriedades de um velho milionário por alguns dias para avaliar o local. Em sua estada no local, presencia estranhos acontecimentos e começa a ter visões. Terror pretensioso, inspirado no Purgatório de Dante (ah, tá) e seguindo a linha das tramas de inversão de expectativa como Casa dos Sonhos, Ilha do Medo e Os Outros. Chatinho, enrolado e com muito jump scare mala. Eu nem ia sacanear o título, mas se você gosta de suffering ...
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2019 The Final Scream (O Último Grito) • Kia é uma jovem atriz que tem sua grande chance ao ser escalada como a garota principal de uma produção de terror. O elenco vem filmando em temporadas distintas e agora é a vez de Kia e o trio de realizadores ficarem isolados em um chalé na mata para filmar. Logo o trio começa a dar sinais de que não bate bem e Kia pode ter sua vida posta em risco. Produção inglesa às raias do amadorismo e da intenção ao "realismo" com seus biótipos naturalistas e luz desleixada. Mais um na onda contemporânea do bora fazê filme?
2019 I Spit on Your Grave, Deja Vu • Então né, eis que volta o diretor israelense Meir Zarchi tentando uma continuação a seu mais célebre e infame filme, clássico exploit disgusting dos anos 70, A Vingança de Jennifer. Camille Keaton volta a fazer Jennifer Hills, agora com o trauma superado, fazendo sucesso com o livro que conta seu drama e com uma filha crescida, Christy, top model bem paga. Mas a viúva de um dos vagabundos do filme anterior e alguns parentes próximos querem vingança e raptam as duas. Cabe a Christy partir para o extermínio depois dos "eventos esperados" em um filme exploit. Duas horas e meia (!!!) de cenas esticadas em um mix de ideias boas e situações risíveis num resultado digital-amador. Como assim, senhor Zarchi?! Depois de 40 anos Jennifer merecia coisa melhor.....
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Quer mais "alternativos"?
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