10 de dezembro de 2018

20 Perdidos Numa Década Suja

Malditos, pervertidos, desvirtuados! Depois que os anos 60 impulsionaram uma mudança sem precedentes na produção cultural e uma liberdade de discursos bastante rica, coube à década de 70 assimilar as novas possibilidades e explorar ainda mais as liberdades conquistadas. Fosse do bom ou do pior, é possível que em nenhum outro momento na história da cultura de massa tenha-se visto a profusão cinematográfica de absurdos estéticos, políticos, financeiros ou de conteúdo, como os que foram produzidos nesse intervalo cultural entre a Golden Age e a moralização protocolada contemporânea.

A produção mainstream americana foi cedendo às ousadias de filmes como Valley of the Dolls (1967), Midnight Cowboy (1969) e Tropic of Cancer (1970) e os independentes também impulsionaram as liberdades que a década de 70 abraçou como essencial. Enquanto isso o pop europeu e oriental chutava o balde em filmes inacreditáveis, inesquecíveis e fundamentais ao lazer desvirtuado de então.
Tem muita coisa que vai ficar de fora da seleção só porque já foi bem citada por aí como os insanos Thriller - a Cruel PictureVingança de JenniferUltimo Treno Della Notte ou Last House on the Left. E nem entramos pela nunxploitation e naziexploitation que terão suas futuras seleções ...

Aí vão 20 pérolas tortas de uma época incomum!
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1970 Cannabis • Serge Gainsbourg é um traficante que começa a ser caçado pelas autoridades e Jane Birkin é a mocinha que o conhece em um voo para Paris. Aventura alternativa como muitos dos filmes estrelados pela dupla, o "casal 20" da contracultura. Cannabis surpreende na ação e em momentos esteticamente inventivos como o inusitado tiroteio na avícola e as caçadas pelos telhados de Paris, antecipando as loucuras de Belmondo em Peur Sur La Ville. Além disso, o filme tem um vigor narrativo admirável e não muito frequente nos alternativos. Trilha sonora composta por Gainsbourg. No elenco, Curt Jurgens e Gabrielle Ferzetti.  😈😈😈😈

Canabis
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1971 Deviation • Co-produção entre Espanha e Suécia dirigida por José Larraz (Symptoms). Casal de amantes dirige pela noite e desviam-se da estrada ao atingir um passante. Com o carro avariado são auxiliados por um grupo de jovens e levados a uma mansão próxima onde os desavisados ficam retidos. E as formas de retenção variam da simples persuasão a violência. O deviation do título então se refere a muita coisa que acontece. No manual de perversões a que os personagens se submetem temos, adultério, aula de fumar baseado, orgias psicodélicas, sedução e facadas! Típico produto de uma era de exploração de liberdades estéticas e que as autoridades adoravam proibir. Apesar de pouco citado é um grande momento do "alternativo moral" que tanto significado teve no período. Visualmente é um show notável, com suas sombras pesadas e clima constantemente noturno. 😈😈😈

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1971 La Bestia Uccide a Sangue Fredo • Klaus Kinski é o doutor chefe em uma clínica de mulheres. Quando um misterioso mascarado começa a matar funcionários e pacientes, a polícia prepara uma armadilha para pegar o maníaco. Direção de Fernando Di Leo em uma produção bastante suspeita que se divide entre um suspense gótico e inserts de cenas eróticas no limite do pornô. Considerando a trajetória do diretor, esta pode ter sido uma produção finalizada a sua revelia tal a irregularidade entre os conteúdos góticos e eróticos. Di Leo iniciaria no ano seguinte com Milano Calibre 9 sua célebre trilogia de euro-policiais. 😈😈

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1972 Hanzo, Sword of Justice (Goyokiba) • Hanzo Itami é um oficial de justiça com algumas peculiaridades: é implacável em seu serviço, expert em acessórios de combate e tem um membro descomunal, também estimulado pela dor! Na busca por um criminoso fugitivo, Hanzo faz uso especial de sua "arma" nas sessões de interrogatório a algumas suspeitas e aliadas ao fugitivo. Gostando ou não gostando do interrogatório, a confissão é garantida! Com roteiro de Kazuo Koike (Lobo Solitário) e uma trilha sonora soul (!), Hanzo, the Sword of Justice é uma das surpresas mais malucas do pop japonês! Ação e erotização doente em um filme de samurai exploitation! Ninguém ganha dos anos 70!!!  😈😈😈

Hanzo, Sword of Justice
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1972 Private Parts • Primeiro filme de Paul Bartel explorando os dois ingredientes mais exploit do momento: sexo e violência, mas dentro da postura anárquica dos filmes underground (quer dizer, é mais irreverente do que sádico). Cheryl é uma jovem que vive com uma amiga até que um desentendimento entre elas faz com que a jovem procure por sua tia Martha, proprietária de um hotelzinho barato repleto de tipos excêntricos e suspeitos. Cheryl desperta o interesse de um fotógrafo pervertido e investiga os misteriosos sons, desaparecimentos e até mortes que ocorrem no local. Inventivo e dinâmico estudo de comportamentos excluídos, sempre com humor anárquico e desconcertante naturalismo. Bartel é possivelmente um diretor tão importante quanto John Waters, mas infelizmente bem menos considerado. 😈😈😈

Private Parts
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1973 Terminal Island • Marginais são condenados a uma ilha de isolamento onde deverão sobreviver como puderem. Com o tempo dois grupos rivais se formam e se atacam constantemente. Aventura trash, sem grande atrativo além da esquisitice. Entre passagens de tensão a lutas desajeitadas, a irregularidade é a marca do filme. Resta a curiosidade de ver o brother Don Marshall (o co-piloto da nave de Terra de Gigantes) e a loirona Marta Kristen (a Judy de Perdidos no Espaço) entre os detentos da ilha. E ainda tem o Tom Selleck, perdidão em início de carreira. 😈

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1973 Because of the Cats • Grupo de jovens pertencentes a uma elite organizada, se diverte invadindo residências a agredindo os casais moradores. Estranhíssimo drama que só poderia ter sido realizado nos anos 70! Veja o post.
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1973 The Candy Snatchers • Trio de marginais sequestra Candy, uma jovem estudante, para extorquir seu padrasto, um comerciante de jóias. O único personagem que pode ajudar é um garoto deficiente que sabe do paradeiro da jovem. Mas nada sai como planejado e a situação toma rumos inesperados para todos os envolvidos. Bizarro filme B, com todas as virtudes e defeitos de sua época: é ousado em algumas passagens violentas (Candy é enterrada logo aos 6 minutos de filme), tem boas reviravoltas de roteiro e desprezo por todos os personagens (ninguém presta em Candy Snatchers), mas acrescenta doses de humor incoerentes e desnecessárias ao conjunto e que enfraquecem o cinismo construído. Alternativo entre alternativos! Variante suspense com final inesperado. Ou uma comédia anárquica. 😈😈

The Candy Snatchers
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1974 La Casa Della Paura (The Girl in Room 2A) • Co-produção EUA-Itália das mais sem-vergonha. Depois de cumprir pena, Margaret é liberada do cárcere e arruma moradia em um grande pensionato. Começa a suspeitar que o lugar serve de "fornecimento" de garotas para uma seita que assassina jovens em rituais. Raff Vallone é o líder e a doutrina é: purificação pelo sofrimento em chicotadas e mutilação! Pobretão de recursos, La Casa Della Paura tropeça feio no excesso de falatório, mas é de uma simpatia desajeitada só comparável ao cinema brazuca da mesma época. Impagável com sua naturalidade de ambientes, elenco B, carrasco de capuz vermelho, música brega, pancadaria nível Tony Vieira e o herói chegando de fusquinha para salvar Margaret! 😈😈

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1974 The Centerfold Girls • O veterano coadjuvante Andrew Prine é um fanático religioso que inventa a missão de punir as depravadas que posaram para revistas masculinas e sai em uma cruzada assassina atrás de cada uma delas, selecionadas em seu álbum de recortes. Imagine a satisfação do demente quando invade um casarão afastado onde uma equipe faz fotos eróticas! Suspense B com alguns bons momentos em um conjunto pobretão que compensa a lentidão com cenas de nudez. Narrado em capítulos isolados como episódios. O destaque é a sequência final, a perseguição em um campo de árvores secas na qual a "cult" Tiffany Bolling (que é vilã em Candy Snatchers aí de cima) inverte o jogo. 😈

The Centerfold Girls
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1974 House of the WhipcordExploit inglês dirigido por Pete Walker. Ann-Marie é uma jovem ingênua, modelo fotográfico e que conhece o enigmático Mark E. Desade (come again, please!) em uma festa. Mark a conduz a um casarão afastado no qual um grupo encarcera jovens "desvirtuadas" para ministrar-lhes a devida punção! E a pobre Ann-Marie terá uma temporada de maus tratos e chicoteamentos até que uma amiga finalmente decide checar sobre seu desaparecimento. Mais ou menos um WIP, com o devido nível B e o mesmo clima doentio e fantasioso das demais produções de Walker no período. Como em outros filmes do diretor, Sheila Keith marca presença como a sádica carcereira. Nota 10 em exploitation! 😈😈😈

House of the Whipcord
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1975 La Bete (The Beast) • Lucy visita a casa de seu noivo Mathurin em uma relação encomendada pelas famílias. A família de carrega a fama de pertencer a uma linhagem descendente de uma relação zoofílica! Em pesadelos constantes, Lucy revive o ataque da condessa (ancestral da família de Mathurin) por uma criatura homem-monstro. Grande momento dos filmes desvirtuados e o trabalho mais famoso do diretor polonês Walerian Borowczyk. No limite do pornográfico, é uma versão safada de "A Bela e a Fera". Deveria ter sido um episódio de Contos Imorais, do mesmo diretor, mas acabou sendo estendido em um longa. E sua maior falha é justamente os tempos mortos que arrastam o filme. Também é um clássico representante de seu período sendo impossível imaginá-lo em outro contexto temporal. 😈😈😈

La Bete
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1975 God's Bloody Acre • Trash americano sobre três marginais (pai e dois filhos) que vivem no meio do mato. Cada vez que a civilização se aproxima com estradas e construções eles têm que se mudar com seus trapos e ferramentas, mas desta vez papai hillbilly se cansou de fugir e declara guerra aos invasores. O trio começa então a atacar violentamente trabalhadores e campistas que estejam pela região. Uma premissa bacana perdida em uma avalanche de cenas capengas de mal feitas. Tem violência e ousadia, mas é amardorzão. O diretor Harry Kerwin fez mais bugigangas na linha da apelação barata como Tomcats e Barracuda. 😈

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1976 Je T'Aime Moi Non Plus • Outro Gainsbourg, aqui dirigindo um drama que requenta sua canção mais famosa. O ator-modelo-fetiche do alternativo Joe Dalessandro é um caminhoneiro gay que em uma parada em lanchonete de estrada conhece Jane Birkin, magrinha, cabelo curto, parecendo um rapazinho. O interesse é imediato entre os dois excluídos causando ciúme no parceiro de Joe. E o filme navega por cenários decrépitos, strip de tias feias, cenas de amor no chão sujo, depósito de ferro-velho ou em cenários desérticos. Um magnífico exercício que busca a beleza na inversão da estética idealizada. A decrepitude poética. Literalmente: um clássico alternativo. Participação de Gerard Depardieu como o bem-dotado que cavalga um garanhão branco! 😈😈😈😈

Je T´Aime Moi Non Plus
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1976 Bestialitá • Traumatizada na infância ao flagrar mamãe confraternizando com o doberman de casa, Leonora Fani vive isolada em uma ilha mediterrânea quase como uma selvagem. Um casal de meia idade que visita o local fica fascinado com a garota e procura conhecê-la. Drama erótico amalucado e muito semelhante aos dramas do cinema brasileiro produzidos na mesma época. Da estética naturalista (leia-se "sem produção") ao elenco apático, Bestialitá é um filme restrito aos fãs interessados no período (mas fãs mesmo!). Vale pela beleza jovial da protagonista Leonora Fani e pelo sempre simpático Enrico Maria Salerno. Participação de Ilona Staller (Cicciolina). Não há créditos oficiais, mas supõe-se que George Eastman tenha feito o roteiro e auxiliado na direção! George, seu safadão! 😈😈

Bestialitá
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1977 Rape 13th Hour • Rapaz atendente de posto de gasolina encontra um misterioso criminoso que o leva como motorista em sua fuga. Na invasão a uma residência, o jovem atendente, fascinado pela ousadia do desconhecido, acompanha as ações do marginal e participa do estupro à moradora do local! Torna-se ele próprio um criminoso em uma série de violências contra mulheres! Fantasioso e doentio suspense japonês com personagens sem nome e uma gangue cujo líder gay persegue o primeiro criminoso até a vingança. Sádico, misógino, marginal, estilizado em roteirização simplória e assumindo o "lazer desvirtuado" de seu público. Rape count: 8!!! Um clássico dos pinky films (erotizados e violentos). 😈😈😈

Rape 13th Hour
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1977 Fight For Your Life • Pioneiro home invasion que teve o mérito de inverter preconceitos raciais acerca de criminalidade. Aqui é um trio de fugitivos (um latino, um oriental e um caucasiano) que invade a casa de um pastor negro e faz sua família de refém até que o patriarca precisa apelar à violência para se defender. Válido e ousado no argumento, com ofensas raciais, criança assassinada explicitamente, oficiais de policia que se desentendem no processo, mas muito irregular no resultado. Entre a blaxploitation e o thriller policial. A maior curiosidade é o líder dos marginais vivido por William Sanderson, o técnico de brinquedos (J. F. Sebastian) de Blade Runner. 😈

Fight For Your Life
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1977 La Settima Donna • Em uma época em que muito se criticou a industria do cinema por explorar sexo e violência, alguma produções se empenharam em fazer seu conteúdo e publicidade apelando justamente a sexo e violência! Quadrilha de assaltantes se refugia em uma casa de praia depois de um roubo a banco. Na casa estão, uma freira e um grupo de garotas ensaiando para uma apresentação. Os marginais se instalam e a cena está formada para a exploração sádica de violência, inclusive com uma bizarra sequência de estupro em câmera lenta!!! Florinda Bolkan e Ray Lovelock (Living Dead at Manchester Morgue) estrelam este drama possivelmente ambientado no Brasil: o banco que a quadrilha assalta logo na abertura tem uma bandeira brasileira sobre a mesa! Peso-pesado do sleazy italiano!  😈😈😈😈

La Settima Donna
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1977 Last House on Dead End Street • Terry Hawkins é um ex-presidiário que invade o velho casarão habitado por um cego e com sua comitiva de desajustados inicia a produção de um filme de terror assassinando pessoas no local. Pressionando e chantageando antigos amigos técnicos em cinema, Terry inicia uma série de crimes ritualísticos que ele filma para a constituição de sua obra! Produção de baixíssimo orçamento supostamente envolvendo estudantes de cinema (todos com pseudônimos) e usando a naturalidade dos cenários velhos a seu favor. Tornou-se um cult pela estranheza geral e é um dos grandes momentos do cinema alternativo americano. Inventivo em algumas passagens, erótico em outras, inesperado em todas. Sua maior virtude é o descompromisso com regras técnicas e o clima doentio em progressão até o sangrento final. Para embarcar sem questionar. 😈😈

Last House on Dead End Street
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1978 L'Immoralitá • Um filme de premissa exploit e tratamento sério (ou quase...). A garota Simona abriga o fugitivo Federico em uma dependência da enorme mansão de campo em que vive com os pais, sem saber que ele é um pedófilo procurado na região. Recuperando-se de um ferimento em sua fuga, o criminoso inicia uma inusitada amizade com a garota. Lisa Gastoni e Mel Ferrer são os pais da menina. Tema polêmico em desenvolvimento interessante, explora a ideia da inocência que deverá se desvirtuar em um contexto social doente.  😈😈😈

L´Immoralitá
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