8 de dezembro de 2020

MPB - yes nós temos alternativos!

Quaterna Requiem


Excluído é a mãe! Estava fazendo a seleção do post Outra Música e pensei, "não entrou nenhum brasileiro..." Então, será que teria banda brasileira para ser incluída em um seleção de alternativos, eletrônicos, progressivos!?! Tem sim! Um monte! Música Progressiva Brasileira! Problema: é uma linha de produção que fica totalmente excluída das mídias e consequentemente do conhecimento do público. Se isso já ocorre como tradição nos sucessivos blocos históricos de MPBistas, imagine com os interessados em eletrônica e em explorar alternativas sonoras derivadas do rock, de eletroacústica, da vanguarda. Excluídos dos excluídos....

Os psicodélicos tiveram uma expressão bacana e até surpreendente nos anos de chumbo. Snegs, O Terço, Módulo 1000, Recordando o Vale das Maçãs, o álbum Academia de Danças de Egberto Gismonti, e outros que marcaram um período muito rico nos anos 70 e que se estendeu um pouquinho aos 80 (Marco Antonio Araújo como o grande representante). 

O movimento voltou a se fortalecer recentemente especialmente na quantidade notável de grupos cariocas e sulistas que gravam, gravaram e estão gravando. Podemos chamar de "movimento"? Acho que podemos sim. A variedade de bandas e projetos que surgem e somem, se reagrupam em outras formações e continuam bravamente, contando apenas com o próprio trabalho de divulgação, é surpreendente. É um movimento sim! Um trabalho que se fortalece na parceria entre bandas, apresentações ao vivo e o reconhecimento crescente pelo público (internacional e depois em casa... bem depois).
Então aqui vai um pouco dos álbuns modernos que me pegaram de surpresa, especialmente os trabalhos instrumentais.

Uakti



1984 Uakti (Tudo e Todas as Coisas) • Possivelmente o maior "pop star" dos alternativos. Partindo da prática de construção de instrumentos e pesquisas em micro-tonalidades, do compositor suíço Walter Smetak, o Uakti gravou o primeiro álbum em 1981 e neste terceiro trabalho já mostrava domínio notável de nuances timbrísticas e construção espacial, o que proporciona ao trabalho uma incrível aura mística. Da misteriosa abertura em Água e Vidro ao lirismo de Dança das Abelhas e repleto de sutilezas acústicas, Tudo e Todas Coisas é um som orgânico saído das matas, da beira dos regatos, tribal, xamânico e lunar. Sussurrante e misterioso como poucos.

1985 Raiz de Pedra (Trajetória) • Na ativa desde os anos 80 o Raiz de Pedra atua no inconfundível "jazz-rock-tupiniquim". Mas, partindo para "formas conceituais" mais do que para a tradição musical estigmatizada de gêneros, o grupo faz um som inventivo e muito variado instrumentalmente. Só para destacar algumas faixas: a leveza simpática de Movimento, e a beleza acústica de misteriosa Alameda das Orquídeas. Predominantemente instrumental, algumas faixas são cantadas (em português!). Lançado pela Editio Princeps.

1988 Anno Luz • Trabalho eletrônico (quase pop) baseado em teclados e de ambientação entre o pop e o rock em suas opções rítmicas. Melódico e tonal, Anno Luz cativa logo pelo entusiasmo de Infinitas Terras, que abre o álbum de forma simpática. A faixa Porque inclui vocalizações astrais e Novo Mundo inclui flautas, sempre entre muito eco e espacialidade. O destaque é da longa suíte Titanic (16 minutos!) que compõe uma narrativa de passagens distintas, e o encerramento é com um belo tema "natalino" em Encontros Da Alma. Só faltou explorar ambiências para não ficar tudo muito parecido sonoramente, mas é um álbum corajoso na proposta techno-instrumental, que escapou das referências óbvias (Vangelis, J. M. Jarre, new age) e gravou um trabalho romântico de sonoridade muito própria. 

1992 Dogma (Album) • Dramático e expressivo o Dogma é simplesmente um dos melhores do rock alternativo moderno. Somando precisão técnica, variações atmosféricas e gravação de qualidade, ficou na história como um dos grande de seu período. Difícil destacar faixas, mas a climática Night Winds e Movements são grandes momentos instrumentais remetendo aos clássicos (notavelmente os sustains de Steve Hackett em alguns trechos). E todas as virtudes irão se somar na suíte A Season For Unions (22 minutos!) que encerra o álbum na tradição do progressivo/alternativo. Participação do violinista Marcus Viana. Lançado pelo selo Progressive Rock WorldWide.

1994 Quaterna Requiem (Quasimodo) • Possivelmente o grupo mais bem sucedido da nova onda do chamado "progressivo sinfônico" na produção brasileira. Com forte influência medieval, Quasimodo traz a banda bem amadurecida em seus instrumentais precisos. As alternâncias de tempos e modos, que são regra no progressivo, e aproximam o trabalho de uma trilha de filme, tem seus pontos altos em Os Reis Malditos e na longa suíte Quasimodo (de 38 minutos !!!), valorizada ainda por belas vocalizações gregorianas. Em 2012 lançaram o bem recebido O Arquiteto.

Aether


1994 Kaizen (Gárgula) • Contando com o violinista do Quaterna Requien, Kleber Vogel, o Kaizen gravou este Gárgula em modo de exploração. Entre as passagens expressivas, destaca-se a leveza brincalhona de Runas. Um trabalho de rico instrumental em sua variantes de peso sonoro que remetem a arranjos da música clássica, e que revela nuances novas a cada ouvida. O melhor momento é Kaizen justamente por explorar variações de ambiente e pesos sonoros alternantes. Lançado pela Progressive Rock WorldWide.

1999 Aether • Referenciando o formato clássico do progressivo inglês, o carioca Aether assume o mistério em suas composições de ótimas variantes instrumentais causando boa impressão logo em Millenium e Autumn que formam uma continuidade logo na abertura do trabalho. Impressiona imediatamente o equilíbrio em instrumentação e a produção que privilegia a espacialidade. Destaque à leveza pop de Trindade Island e Altenburg Suite (17 minutos) com sua alternância de climas. A New Bright Day e Kings & Knights têm letra cantada em inglês. Lançado pelo selo Rock Symphony

1999 Vesânia • Quarteto paulista lançado pela Record Runner. O Vesânia tem um som incrivelmente coeso e ameaçador, destacando-se bastante do alternativo brasileiro. Em alguns momentos, lembra o King Crimson em sua fase hard (pós 1974), mas desenvolve sua voz própria com sua "parede sonora" de sobreposições, distorções e peso. Conduzidos por uma guitarra obsessiva, os temas (na média de sete minutos) são invariavelmente cáusticos e caberiam perfeitamente em um thriller sobrenatural! Lançado pela Record Runner.

2000 Alpha III (New Voyage a Ixtlan) • Liderado pelo tecladista carioca Amyr Cantusio, o Alpha III é famoso na proposta techno-psicodélico-viajandão. Este New Voyage to Ixtlan reúne material anterior e novas gravações. Naturalmente remete à década de 70 por suas longas suítes instrumentais, como The Cave of Gods (25 minutos!) com destaques a solos alternados de guitarras e teclados. Irresistível em sua proposta neo-bicho-grilo. Disponível pelo selo Rock Symphony. Ainda na ativa, saiba mais sobre o Alpha III aqui.

2001 Palmas (12 Ciclos) • Um trabalho de rara beleza acústica. Equilibrando incrivelmente bem sons eletrônicos com acústicos o álbum essencialmente melódico, alterna climas distintos como o entusiasmo de Por La Estrada, o mistério de Redenção, a introspecção de Sombras e Luzes e o alcance cósmico da suíte Luares (14 minutos). Destaque à bela vocalização feminina na faixa Tarde. Repleto de luzes e mistérios, 12 Ciclos é um trabalho de rara integridade e encanto. Lançado pela Som Interior.

Projeto B


2002 Blezqi Zatsaz (The Tide Turns) • O nome bizarro do grupo surgiu da pronuncia errada de Black Sabbath! O grupo tem um dos sons mais consistentes no gênero, aproxima-se dos modelos clássicos do progressivo inglês, mas não emula nenhum deles em suas potentes construções instrumentais. Muito energético e com muito para dizer, o grupo foi dos mais interessantes de seu período por suas alternâncias de peso e dinâmicas que não saturam a audição (como em Parallel Paradise). Entre variações progressivas e peso metaleiro tem muita coisa acontecendo neste The Tide Turns: temos Thy Fake, entre o jazz e o metal, a referência barroca no humor de Well Tempetered Drawbar, um pouco de influência gótica em The Gates of Ixthlan e um momento de leveza em Lilith. Como curiosidade Azivullas Suite (14 minutos) abre com um suspense techno que caberia facilmente em um slasher dos anos 80 e evolui para uma suíte de dinâmicas alternadas. Lançado pela Record Runner.

2005 Index (Identidade) • Na escola clássica do progressivo inglês, o Index foi formado em 1998 por participantes do Quaterna Requiem e neste terceiro álbum desfila instrumentais com invejável segurança. Conduzidos pela guitarra de Jones Junior, os temas são enérgicos e decididos tendo as variações instrumentais de Corações do Mundo e a longa faixa final Index II (13 minutos) como destaques. Um pouco da história nesta entrevista do guitarrista Jones Junior. Lançado pela Rock Symphony.

2005 Matrak (Panorama) • Jazz e rock em instrumentais inspiradíssimos. Valorizado ainda por uma excelente produção e registro espacial, essenciais ao gênero o Matrak ainda explora ambiências instrumentais e algumas baladas (que tanto fazem falta ao progressivo brasileiro) como nas faixas Sinestesia e Crystal Canyon. Na questão ambiências, destacam-se momentos mais pesadões como Frankenstein Goes To Disneyland repleta de sintetizadores. Nachos y Tequila é puro jazz-rock setentista. Um dos trabalhos mais acessíveis e divertidos do gênero. Lançado pela Editio Princeps.

2006 Projeto B (A Noite) • Grupo paulista na vanguarda jazzística. De forte referência a harmonizações jazzísticas o Projeto B enriquece a mistura com com muita atmosfera e resvalando em conceitos de trilha sonora. Melhor ainda é a atmosfera noturna (já suposta pelo título) e o trabalho abre com a ameaçadora suíte progressiva Epífise. Rondes Printanieres faz variações sobre a Sagração da Primavera. Maravilhoso Carro é quase um swing para trompete e saxofone. E a Suíte Paulistana traz construções em suspense que poderiam muito bem servir a um filme! E o álbum segue com faixas longas (sete minutos na media) e muita variação instrumental em um registro de som excepcional. A Noite é um show em jazz moderno, atmosferas e sugestão. Lançado pela Editio Princeps.

2009 Lumina (Project) • Na escola do jazz-rock, o trio instrumental explora um universo de perfeição técnica e futurista. Conduzido pelos sustains de guitarra de Johnny Murata, o som insidioso e sorrateiro do Lumina tem em Siberia e Thar, grandes exemplos de experimentação técnica em seus climas difusos. Exploratório e com muita improvisação jazzística, Project é uma peça rara na produção brazuca.

🎻🎹🥁🎸

Aí foi um pouquinho dos alternativos brazucas modernos. Lembrando que a pesquisa, para quem quiser, vai bem além desta pequeninha seleção. Se formos traçar o movimento desse movimento, a árvore genealógica vai incluir os psicodélicos tropicalistas, o Araçá Azul, o Walter Franco, o Flávio Venturini, o Lelo Nazário, Ave Sangria, Lula Côrtes, Marconi Notaro... enfim, a história é sempre mais rica e interessante do que nos ensinam...

Lumina


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