8 de fevereiro de 2019

Outra Música - alternativos alternativos

Música e terror! A gente lembra sempre do óbvio na cultura pop: o rock. O Diabo é o pai do rock! Sabbath, Maiden, metal e tal. Aliás, metal e satanismo dá pra fazer um levantamento bem grande. Mas Black Phillip é espírito de porco e acha que essa associação já deu. Assim como a associação com os góticos. Já sabemos de Bauhaus, Mephisto Walz, Fields of Nephilin, tem um monte. É muito bacana, marcou época (eu ainda escuto bastante). Mas isso tudo já sabemos e já curtimos. Quero mais...

Então o dedicado espírito de porco levantou aqui algumas coisas que escaparam da estrutura pop/rock. Já que o macabro é "alternativo", caberia a cada ouvinte ampliar sua própria rede de alternativos. Um vez, ouvindo o Jurassic Shift (1992) do neo-psicodélico Ozric Tentacles, a faixa Pteranodon me pareceu perfeita para uma marcha de mortos-vivos por seu som pesadão e tempo lento. Também sempre achei que a faixa Lark´s Tongues in Aspic II do King Crimson caberia fácil em um filme de Dario Argento. E aí comecei a buscar por "trilhas macabras" fora dos locais habituais. Aí estão algumas coisas que acho bem legais de ouvir em horas especificas do dia, quer dizer, da noite...

Saucerful of Secrets
1968 Saucerful of Secrets - será que o Pink Floyd inaugurou o macabro na cultura pop? É possível. Talvez em nível sensorial, sim. Saucerful of Secrets é o álbum imediato à saída de Syd Barret e seu clima é todo misterioso e difuso. Especialmente a suíte título em três partes. É possivelmente o trabalho mais dark do grupo pelo mistério de faixas "cabalísticas" como Set The Controls For the Heart of the Sun. E o ponto alto é mesmo a suite instrumental título com sua construção abstrata e ascensão mística ao final.

1970 Emperor in His War Room - O grupo Van Der Graaf Generator foi sempre citado pelo seu dark sound. O álbum H To He Who Am the Only One com esse nome enigmático (pra não dizer aleatório), traz faixas com letras riquíssimas na evocação de imagens surreais. A faixa destacada fala de um conquistador cujas glórias chegaram ao fim, o ouro escorre de seus dedos descarnando-os, um olho arrancado pela mão de um fantasma, pende fora da órbita e pelas janelas entram hordas de almas dos que foram mortos em suas campanhas de conquista. Sozinho em sua sala, resta ao imperador juntar-se a eles ... 

Blackdance
1974 Blackdance - Jamais que o rei da eletrônica, Klaus Schulze entraria em uma seleção de macabros. Será que não? Blackdance é a gravação de Schulze que menos explora os ritmos sequenciais dos grupos eletrônicos e que ele tanto utilizou. Aqui a música se faz de modulações de onda e espaços espectrais. Voices of Syn abre com vocalizações gregorianas bastante incomuns em eletrônicos e Some Velvet Phasing experimenta espaços em modulações em curva. Geralmente o gênero é associado à ficção e futurismo, mas aqui o mundo paralelo que o compositor encontra se move em sombras.

Phaedra
1974 Mysterious Semblance at the Strand of the Nightmares - Faixa do álbum Phaedra do Tangerine Dream. O trio já havia explorado mistérios sonoros nos discos Zeit e Alpha Centari, mas a faixa aqui destacada é um primor em exercício climático com sua sucessão de escalas quase barrocas, difusão e ecos misteriosos. No limite entre o tonal e o atonal, entre o angelical e o sinistro, é um dos momentos clássicos das explorações timbrísticas e espaciais que tanto marcaram a primeira fase do famoso trio.

1975 Index of Metals - Robert Fripp e Brian Eno já havia marcado terreno na música eletrônica com seu primeiro álbum em parceria, o misterioso No Pussyfooting. Aqui em Evening Star, a dupla volta às explorações instrumentais que levariam Eno à famosa série de ambient music. Mas... nem tudo é leveza etérea e climas relaxantes. A última faixa Index of Metals (lado 2 inteiro do vinil), é algo raramente ouvido nos eletrônicos ou mesmo nos dark ambient contemporâneos com suas emanações à beira do silêncio. 28 minutos que podem levar o ouvinte a outro estágio perceptivo. Tenta lá.

1978 Enchanted Wood - Faixa do álbum Ralefun do grupo italiano Antonius Rex já destacado aquiRalefun é considerado o trabalho mais conhecido do Rex por ter recebido distribuição melhor que os demais. Enchanted Wood é um improviso místico de 12 minutos que fecha o álbum em clima de encantamento macabro. Crepuscular. Com a voz sussurrante de Antonio Bartocetti, trinados de pássaros e instrumental insidioso, Enchanted Wood é uma conjuração sonora, hipnótica como poucas. Destaque às sutilíssimas bases de órgão e flauta.

Music Pour La Odyssee
1979 Music Pour La Odyssee - Este é um local diferenciado. Com muita energia e destaque a instrumentos de cordas o francês Art Zoyd desenvolve um "rock de câmara" sem paralelos. Talvez o grupo Univers Zero possa ser apontado como um semelhante. O destaque é da faixa título, em forma de suite e com muita intensidade nas performances de cellos e violas. Cria um universo apreensivo, alarmante, à beira de uma ruptura. Em clima ameaçador e com disparos ocasionais de agressão, parece uma perfeita trilha de horror.

Crawling Wind
1983 Crawling Wind - Grupo belga ("primo" do Art Zoyd) o Univers Zero tem um dos trabalhos mais originais da vanguarda do rock. Crawling Wind é assombroso do começo ao fim. Se esse disco fosse um filme, seria um clássico de terror. Com destaque a sopros e cordas, além das marcações pesadonas (que lhes garantiu reconhecimento no rock industrial) o álbum é dos mais noturnos do grupo. Equilibra trechos impressionistas a erupções sonoras assustadoras. Tenho certeza que se tocar esse disco à noite, na floresta, alguma coisa acontece.

1987 Sleep With Fishes - Segundo disco de Michael Brook que é um guitarrista da turma de Brian Eno, Daniel Lanois, esse pessoal. Produz um som que agrada muito os apreciadores da música new age. Leve, agradável, ambient. Este Sleep With Fishes só entrou nesta seleção por que Brook explorou aqui a alternativa sombria da proposta ambient. Então aqui não tem nada de ascensões cósmicas ou celestiais. Faixas como Several Times e Sleep With Fishes podem traumatizar ouvidos newagers por seus climas espectrais. E até os temas cantados como Searching tem algo de noturno com seus vocais interiorizados.

1997 The Dark Winter - Na linha da "banda de um homem só" o francês Aäkon Keetrëh é uma das coisas mais indefiníveis e interessantes da música macabra. Literalmente experimental em experiências sonoras breves e climáticas. Os 30 minutos deste trabalho se compõem de improvisos dedilhados em guitarra e ocasionais texturas ao fundo. Tem também os vocais/gemidos de Lord Aäkon em clima de abandono. Imagine o Syd Barret em uma catacumba. Tão alternativo que distribui seus trabalhos em fita cassete! Este tem 15 mini-faixas sem título.

Ficou muito rock progressivo essa seleção? É que essa galera abre mais espaço para manipulações sonoras e fuga de modelos do que outros.
Na Parte 2, uma seleção mais contemporânea, incluindo mais Dark Ambient.

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