16 de fevereiro de 2019

O Terror - o mistério elegante de Arthur Machen

"Via na profundeza daquela escuridão pontos de fogo e luzes coloridas, tudo reluzindo e se movendo, e o ar tremulava. Olhei fixamente para dentro da noite e a árvore negra se ergueu acima do telhado do celeiro e se elevou no ar e flutuou na minha direção".

• Ambientado no País de Gales durante a Primeira Guerra, a novela O Terror (1917) é uma das obras mais conhecidas do escritor inglês Arthur Machen (1863 - 1947). Conta o mistério que se abate sobre a região em plena tensão social pelos eventos da guerra. Desaparecimentos e mortes misteriosas sem a menor conexão entre si ocorrem de forma a deixar o povoado em apreensão constante. O Dr Lewis investiga os misteriosos casos e Machen constrói uma narrativa intrigante, repleta de pistas falsas e explícita em seus detalhes violentos, como o casal e seus três filhos mortos com as cabeças esmagadas, na estrada diante de sua propriedade. Mas, spoilers são necessários e basta dizer que há pouco ou nada de sobrenatural por trás dos eventos. As possibilidades de explicação racional são quase um balde de água fria na novela (97 páginas). Isso especialmente se o leitor busca um horror mais contundente, afinal o autor é contemporâneo de Lovecraft e recebeu menção em O Horror e Sobrenatural na Literatura. Mas O Terror se caracteriza mais por sua linha investigativa e detetivesca.

"As pessoas, na maioria, têm certeza que a Peste Negra - ou a peste bubônica - jamais tornará a se alastrar pela Europa. Elas concluíram complacentemente, que a peste se deveu à imundice e ao precário sistema de esgoto. Na verdade a apeste bubônica nada teve a ver com imundice ou com esgotos. E não há nada que a impeça de devastar a Inglaterra amanhã. Mas se você disser isso às pessoas, elas não vão acreditar. Não vão acreditar em nada que não esteja presente no momento em que você fala com elas."

Felizmente o autor não reduz a história à racionalidade e a grande estrela da obra é mesmo sua construção envolvente que lança diversas possibilidades sobre as mortes: crimes locais, loucura, invasão de inimigos alemães, revolta de animais, revolta divina, são algumas das possibilidades levantadas pelo autor em plena "nova era" das máquinas bélicas e consciência pré-mundo globalizado. Machen cita até a censura em meios de comunicação e um medo crescente sedimentando-se no inconsciente coletivo. A possibilidade dos acontecimentos estarem ocorrendo em nível planetário lança uma apreensão catastrófica, quase lovecraftiana, sobre história. Uma pena é que as imagens fantásticas, que o autor cria com notável capacidade, como a "árvore de mariposas" e luminescências noturnas, percam muito de seu fascínio na conclusão da história.

Completa a edição, Ornamentos em Jade (1927). Dez textos curtos que nem pretendem construir narrativa! São situações ligeiras (duas páginas na média) cuja maior virtude é a criação de imagens refinadas em clima fantástico-poético. Uma jovem observando um grupo de ciganos na floresta, duas mulheres que buscam uma encomenda na cabana da velha feiticeira local, uma misteriosa formação rochosa entre as folhagens de um bosque, visões celestiais em meio ao corriqueiro urbano ou um simples pôr do sol, por exemplo, são situações mínimas que o autor utiliza para narrativas suspensas e inconclusivas com um fascínio poético muito particular.

"Por fim se libertou e descobriu que havia penetrado um amplo caminho, perfurando, parecia, o coração do bosque. A lua resplandecia acima das copas das árvores e conferiam uma tênue cor verde à trilha que subia para uma clareira, um grande anfiteatro entre as árvores. Ele estava cansado e se deitou na escuridão ao lado da estrada de turfa, e se perguntou se tinha por acaso encontrado algum caminho esquecido, alguma notável atalho que legiões haviam trilhado. E, enquanto permanecia ali deitado, a observar o pálido luar, viu uma sombra que avançava na relva diante dele." (Solstício de Verão)

"Machen foi e ainda é um autor com um público restrito, não seria impróprio chamá-lo de cult, lido sobretudo por aficionados do gênero sobrenatural e reconhecido por um grupo de escritores de épocas e tendências diferentes, entre os quais Oscar Wilde, William Butler Yeats, Howard Phillips Lovecraft, Stephen King, Clive Barker, Thomas Sterns Elliot e Jorge Luis Borges". José Antonio Arantes no posfácio.

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Leitura radical
Muito clima, pouco terror.

Leitura passional
Incríveis criações atmosféricas.
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O Terror

The TerrorArthur Machen, 1917
Editora Iluminuras - SP - 2002
188 páginas

O Terror - Arthur Machen

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