O jazz que já foi marginal e já serviu à resistência cultural em épocas distintas, acabou virando cult e sinônimo de sofisticação burguesa, de erudição musical sem se afastar do popular, de linha divisória que separava gerações de marmanjos da molecada do rock'n'roll, e de outras necessidades estigmatizadas que a cultura sempre acabará por impor, mais cedo ou mais tarde nos processos de popularização e consumo. Invariavelmente urbano e sinônimo de sociedades industrializadas no século XX, raramente ouviu-se jazz associado a outras referências, como alternativas. Pois nestas eras de pesquisa viabilizada por acessos digitais, dos cruzamentos de informação e disponibilidade, o Felipe Preto destaca aqui algumas coisas meio fora do esquadro da tradição jazzística e que, de alguma forma, se aproximam das desvirtuações alternativas.
1965 Sun Ship • No final de vida e auge carreira, John Coltrane explorou extremos em trabalhos quase que antagônicos como a suavidade de Ballads contrastada a este caudaloso Sun Ship. Da ansiedade cardíaca da abertura, Sun Ship, ao relaxamento inseguro de Attaining, as cinco faixas são pura convulsão sonora, com destaque ao peso-pesado Elvin Jones na bateria.
1969 The New Don Ellis Band Goes Underground • Don Ellis foi um trompetista americano que inovou o cenário nos anos 60 e integrou o seleto cast da gravadora CTI. A expansão sonora de seu grupo incluiria elementos clássicos (be-bop, big band) adicionando inevitavelmente as referência de sua época como o pop, o soul e a experimentação. Confira as distorções incomuns em Good Feelin' e a expressividade quase de trilha sonora em Eli's Comin. No ano seguinte, o trompetista seria convidado a compor a trilha de Operação França, que ficou reduzidíssima na edição final (mas existe em CD pela Film Score Monthly). É curioso ouvir aqui alguns momentos que poderiam facilmente sonorizar um filme do período, como Love For Rent (trompete com echoplex!). Produção de Al Kooper. Ouça aqui.
1976 Both Hands Free • Sci-Fi Jazz?! Existe isso? Essa é a primeira impressão na faixa de abertura (e a arte HQ retrô da capa) com os techo-sounds abstratos de Space, mas logo a faixa adentra por território tonal mais familiar. Lembrando o Weather Report e trilhas sonoras, conforme o momento, este britânico Both Hands Free é um exemplar fusion com destaque a saxofone e algumas variantes estilísticas. As baladas Solitude e Phobos são pontos altos com seu abandono espacial e flangers no piano elétrico. Leia algo mais. Ouça aqui.
1977 Connexion • Os holandeses do Third Eye fizeram seu jazz fusion com pitadas étnicas e muita energia. Connexion foi seu segundo álbum, com quatro longas faixas repletas de invenção, dissonâncias e grooves misteriosos. Veja mais.
1977 Martin • Trilha sonora do ótimo "drama vampiresco" de George Romero, composta por Donald Rubinstein. Cânticos líricos e a desconcertante excentricidade de peças de jazz fazem da trilha de Martin uma parente próxima da música de Krisztof Komeda para O Bebê de Rosemary. A edição em CD da Perseverance Records também incluiu a trilha (descartada) de Pollock, que tem um curioso parentesco com Martin nas vocalizações, porém sua forma é mais voltada ao modernismo do Be-Bop.
1991 Naked Lunch • A dupla mais alternativa possível. Howard Shore, antes da consagração com a música de O Senhor dos Anéis, foi parceiro habitual de David Cronenberg em suas trilhas experimentais e audaciosas. Aqui, junto ao saxofonista Ornette Coleman criam um híbrido delirante entre o sinfônico camerístico e free-jazz, incluindo peças originais do saxofonista. Mas é nas misturas insólitas de Interzone Suite e na faixa título, por exemplo, que o trabalha transcende para regiões obscuras.
1994 Aquatic • The Necks é um trio australiano (baixo, piano e bateria) com álbuns de vendas esgotadas no Bandcamp! Este Aquatic é composto por duas longas faixas (de vinte cinco minutos cada, aproximadamente) de experimentação claustrofóbica: marcação rítmica insistente sobreposta por motivos melódicos isolados do piano. Labiríntico e incerto. Jazz de mistério! No Bandcamp.
2010 The Big Sleep • O Somnambulist Quintet é um projeto do musico britânico Darren Johnson que caracteriza esta era eletrônica com sua infinidade de possibilidades em edição, amostragem e performances reais. O resultado é um jazz incerto em seus objetivos, imprevisível e que soa como uma soundtrack de referências mais do que composições com foco definido. A introspecção noturna de Stonegate é a faixa mais tradicional nos 21 minutos de experimentos do álbum. Ocasionais samples de bongôs trazem um toque marginal. No Bandcamp.
2011 Dale Cooper's Case • Cote Desert é uma dupla russa aqui fazendo uma visita ao mundo paralelo da série Twin Peaks. A proposta é mais interessante em conceito do que musicalmente uma vez que a música do Cote Desert se propõe a emular o ambiente sonoro original de Angelo Badalamenti com seus ritmos soturnos e apreensivos. Seis faixas compondo trinta minutos de climas progressivamente sombrios. No You Tube.
2013 The Thread Will Be Torn • EP do Dathon, projeto do norte-americano Donovan Corey Lyons. Sonambulismo musical de ostinatos harmônicos e noises em três faixas compondo uma suíte de 21 hipnóticos minutos. No YouTube.
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