25 de julho de 2021

A Casa do Passado - raridade de um dos maiores autores do fantástico.

Algernon Blackwood
Observei-os juntos, sacudindo as cabeças, em meio ao tilintar daquela miríade de folhas, mesmo que não houvesse vento. Eles se moviam por força própria, como se estivessem vivos. E eram capazes de tocar dentro de mim, por um método incalculável, o cerne de um sentimento chamado terror.

• Uma das raras edições nacionais dedicadas a Algernon Blackwood em seleção e tradução de Heloísa Seixas. A Casa do Passado traz dez contos do autor funcionando como uma amostra de sua obra pela escolha criteriosa. Mas seria caso de referir o material como fantástico, mais do que terror, pela preferência atmosférica e poética dos contos disponíveis.

Muita coisa pode parecer familiar pelos contos, mas é porque diversas situações foram reutilizadas em incontáveis filmes e variações, como o garoto que faz amizade com entidades noturnas (A Ala Norte), o quadro que adquire vida e enclausura o observador (O Homem Que Era Milligan), a boneca que ganha vida noturna e se revela uma agente de forças malignas (A Boneca), ou um espelho que pode servir de passagem dimensional (O Caso Pikestaffe).

A eficiência na criação atmosférica e climas de estranheza se dá pela lenta e detalhista exposição ambiental que circunda a história e os personagens, para somente depois lançar-se ao sobrenatural, como na estadia do inquilino de O Quarto Ocupado (1909), ou no mistério bucólico de Lobo Andarilho (1920), cuja ambientação ocupa metade da narrativa antes da exposição do mistério e é um dos mais belos contos da seleção. Também é um conto que escapa ao confinamento gótico sendo ambientado em amplos espaços naturais.

Nada se movia. O movimento nas águas cessara. Não havia vento. A floresta era uma única massa de sombra avermelhada. O céu amarelo, onde a luz morria, lançava reflexos capazes de enganar os olhos, fazendo-os confundir as distâncias. Mas não havia qualquer som ou movimento. E, contudo, ele tinha certeza de que alguém o observava.

O horror ambientado na natureza foi uma alternativa marcante na obra do autor e essa orientação tem no conto Os Salgueiros (1906) seu ponto alto. A aventura de dois amigos que navegam pelo Danúbio e acampam em ilhotas banhadas pelo rio é uma das clássicas criações do fantástico literário. Todo o fascínio do autor pela natureza e a expansão ao fantástico estão primorosamente desenvolvidos nesta narrativa de pavor crescente em ameaça física e mental aos protagonistas. Um conto apavorante que antecipa o horror-cósmico de Lovecraft.

Por uma noite talvez pudéssemos ser tolerados. Mas se tentássemos ficar mais tempo e descobrir coisas - não! Éramos a primeira influência humana a conspurcar aquela ilha, e não nos queriam ali. Os salgueiros estavam contra nós.

– São os salgueiros, tenho certeza. Os salgueiros mascaram os outros, mas os outros começam a nos farejar. Se deixarmos que nossa mente denuncie o medo que sentimos, estaremos perdidos, completamente perdidos. 




Leitura Radical
Elegante demais em suas formas descritivas
Leitura Passional
Poético em sua macabra transcendência

O Quarto Ocupado
O Caso Pikestaffe
A Boneca
Lobo Andarilho
A Ala Norte
As Asas de Horus
O Homem Que Era Milligan
Cúmplice
A Casa do Passado
Os Salgueiros
______________________
A Casa do Passado
Editora Record, Rio de Janeiro - RJ - 2001
300 páginas

Algernon Blackwood

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