9 de janeiro de 2022

As Ruínas - uma experiência formal em horror extenuante.

As Ruínas

Tal grau de decomposição teria levado meses para ocorrer, mesmo naquele clima. Ou talvez não, percebeu Jeff, inclinando-se para afastar mais plantas, dessa vez com cuidado, delicadamente. Talvez fosse a planta que tivesse feito aquilo, devorado a carne, alimentando-se de seus nutrientes. 

As Ruínas é um romance de horror em formato experimental que conta com uma raro poder de envolvimento no qual mesmo as passagens que se alongam e arrastam a narrativa servem a constituir o clima extenuante que caracteriza a obra como um todo. 

O livro conta a aventura de dois casais de jovens amigos em férias no México que dividem seu tempo entre ociosidades diversas, na praia ou em bebedeiras. Eric, Jeff, Amy e Stacy, conhecem um guia, o alemão Mathias, e decidem ajudá-lo na localização de seu irmão. Munidos de um mapa rudimentar, desenhado à mão, buscam pelas ruínas maias, onde o irmão de Mathias supostamente foi trabalhar, levado por uma recente namorada. 

Mas o mapa os leva a uma suspeita elevação isolada no meio de uma mata, evitada pelos moradores locais, e se aventuram em sua exploração. O drama se consuma quando os habitantes locais os impedem de abandonar o elevado onde uma desconhecida espécie de planta rasteira se comporta de modo incomum. E o horror toma a narrativa quando o grupo perde a razão, sem água nem mantimentos e quando percebe que a planta que infesta o local parece ter vontade própria e age premeditadamente aguardando a decadência física de cada um deles! 

Uma brisa ocasional soprava sobre ela e seguia pela trilha, agitando as folhas, fazendo-as sussurrar. Stacy tentou escutar o que elas estavam dizendo, tentou associar palavras àquele som, mas sua mente não estava funcionando direito, ela não conseguia se concentrar. 

A primeira surpresa formal do livro é a ausência de capítulos! As Ruínas tem texto contínuo e pequenas divisões que servem como pausas dramáticas ou temporais. Com um encadeamento de texto incrivelmente fluente o livro segue prazerosamente com seu invejável naturalismo de exposição. De situações casuais ao preocupante, o autor constrói sua trama em um texto corriqueiro que simplesmente engole o leitor em um processo contínuo e implacável até o sangrento final. Eric é o primeiro a perder a razão acreditando que a planta que cobre o elevado se infiltrou sob sua pele.

– Está bem aqui embaixo. Estou sentindo. Ela deve sentir que eu estou cortando, de algum jeito deve entrar mais fundo em mim. Ela está se escondendo.

Eric não parava de implorar para Mathias cortá-lo, mas Mathias não queria fazê-lo. Não no escuro.
– A gente tem que tirar ela aí de dentro – insistiu Eric. – Ela está se espalhando por toda parte.

A genialidade de Smith é dar o devido espaço aos pensamentos íntimos de cada um dos personagens, fazendo assim com que o leitor participe de suas lembranças e crescente desespero de forma muito próxima. Observações inúteis e reações infantilizadas no íntimo dos personagens criam uma incrível autenticidade emocional e intensificam o pavor crescente em volta deles de modo eficiente. Inevitável associar cada personagem, em seus equívocos e derrotas pessoais ao título. Cada um deles também é uma ruína... 

Íntegro, direto e envolvente, As Ruínas ganha espaço fácil como um dos bons romances fantásticos da atualidade.

• Infelizmente o livro deu origem a um filme mediano que não foi salvo nem pelo roteiro do próprio autor.


Leitura Radical
Um pouco enrolado em alguns pontos.

Leitura Passional
Íntegro e apavorante em sua imersão.
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As Ruínas

The Ruins, Scott Smith, 2006
Editora Intrínseca, Rio De Janeiro, RJ, 2007
367 páginas

As Ruínas

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