2 de setembro de 2021

As Diabólicas - um clássico do mistério.

As Diabólicas


O nevoeiro estava mais espesso. Amarelo em torno dos lampiões que iluminavam o cais, esverdeado sob os bicos de gás da rua. Muitas vezes ele se enfunava, formando volutas de fumaça pesada, às vezes transformava-se em garoa fina, cujas gotas brilhavam suspensas. O castelo de proa do Smoelen, com suas vigias iluminadas, surgia indistinto através da bruma.

• Clássica novela de mistério entre as primeiras, se não a primeira, na narrativa com busy body, a atordoante trama do cadáver que desaparece depois do crime. Com sua narrativa em forma direta, de frases curtas e descrição climática para situar a ambientação, As Diabólicas (originalmente Celle Qui N'Etait Plus - The Woman Who Was No More) parte do crime premeditado pelo comerciante Fernand Ravinel e sua amante, para eliminar Mireille, esposa de Fernand. O afogamento em uma banheira é narrado de forma corriqueira e desconcertante e dispara os desequilíbrios de Ravinel que irão determinar o conteúdo narrativo por grande parte da novela. E nos andamentos posteriores, o corpo de Mireille desaparece da margem do riacho onde deveria ser encontrado. Estabelece-se o mistério que joga o pobre Ravinel em um estado de progressiva demência na tentativa de descobrir o paradeiro do cadáver. Entre possibilidades reais e fantasiosas, a novela faz da instabilidade crescente do protagonista seu assunto principal.

O prisioneiro condenado a cinco anos, deve experimentar um sentimento parecido, pelo menos no começo. E o prisioneiro condenado à prisão perpétua... Ravinel afasta esse pensamento que zumbe obstinadamente, como uma mosca atraída pela podridão.

Descrevendo constantemente as atmosferas úmidas, enevoadas e a presença de brumas, a ambiência faz um paralelo com o estado mental de Ravinel, entre incertezas e considerações irreais até o desfecho surpresa e o epílogo amoral.

Liga o motor da caminhonete e tira o carro. O nevoeiro mudou de cor. Está cinza-azulado, como se a noite começasse a embebê-lo. Os faróis abrem, nessa cinza suspensa, uma espécie de fluxo duplo de luz oleosa. 

Fatalmente, um dia ou outro, entenderia aquilo que está oculto para os outros. Os vivos, os mortos, fazem parte da mesma multidão. Como nossos sentidos são grosseiros, imagina-se, habitualmente, que os mortos estejam em outro lugar, acredita-se que há dois mundos. De modo algum! Eles estão conosco, os invisíveis, misturados a nossa vida.  

Primeira novela da dupla de escritores Boileau-Narcejac, As Diabólicas foi levada ao cinema em 1955 no clássico homônimo de Henri-Georges Clouzot, e com muitas modificações. Assim, a leitura do livro ainda guarda suas surpresas.


🛁
Leitura Radical
Dispersivo em algumas partes

Leitura Passional
Uma das maiores novelas de mistério
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As Diabólicas
Les Diaboliques, Pierre Boileau, Thomas Narcejac, 1952
Editora Abril, São Paulo, SP, 1984
187 páginas

As Diabólicas

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