27 de março de 2019

Contos de Fantasmas - é tudo verdade!

"O cavalo deu dois ou três passos e voltou a estacar, relinchou, e fez movimentos para voltar atrás. Então o cavalheiro, escrutando a noite para ver o que espantara o cavalo e o que se passava, divisou dois grandes olhos, os quais, como ele disse, olhavam diretamente para ele. [...] Por fim, com muito trabalho, o patrão abusando das esporas, passou pela ponte e pela criatura com olhos largos, criatura que, como a luz aumentara um pouco, ele afirmou positivamente que era um grande urso preto e que devia, consequentemente, ser o demônio." (Ilusão Referente a um Urso e um Asno)

• Simpática coletânea de relatos feitos pelo autor de Robinson Crusoé em seu tempo de editor jornalístico. O livro se divide em duas partes: Histórias Verdadeiras de Fantasmas e Falsos Fantasmas e Aventuras Divertidas. Em contos bastante curtos (alguns são pequenas fábulas), o autor apresenta uma série de casos de aparições ligeiras. Em todos, o encanto do fantástico é garantido no texto fluente e direto que nem mesmo especifica nomes ou pormenores descritivos. E os fatos fantásticos se inserem de forma tão natural (como a singela visita de uma falecida a uma amiga da vizinhança, na primeira história) que produzem um encanto macabro por toda a leitura.

Curiosamente os relatos selecionados na sessão de "falsos fantasmas" têm situações mais interessantes e elaboradas e isso lança um charme bastante especial à primeira sessão, aos relatos singelos que Dafoe defendia como oriundos de fontes insuspeitas e que portanto eram relatos reais! O mais interessante é o caso da aparição de um velho senhor que desorienta um grupo de ladrões em uma residência. O velho aparece em cômodos sucessivos para o horror dos assaltantes conforme eles avançam pela casa!

"De imediato, os vilões entraram a derrubar as belas cortinas de damasco das janelas e a apossar-se de outras coisas ricas, mas um deles disse a outro:
– Faça com que o velho idiota nos conte onde está escondida a prataria.
Outro acrescentou: – Se ele não contar, corte-lhe a garganta! [...] Diante dessas palavras furiosas, o velho cavalheiro apontou para as portas que davam no salão. Os bandidos se precipitaram no grande salão, onde, olhando para a extremidade do aposento, que lhes estava mais distante, deram novamente com o homem idoso, na mesma vestimenta e atitude que antes.
– Ora, esse velho sujeito tem trato com o Diabo, certamente." (O Fantasma em Todos os Cômodos)

A comicidade também permeia as narrativas "falsas" como o Quaker que confunde um assaltante em sua casa, todo sujo pela fuligem da chaminé, com um demônio. Ou um proprietário que precisa demolir uma velha casa e inventa a história de um tesouro local, guardado por fantasmas, só para atiçar os populares à caça. Ou ainda o adivinho que resolve a situação de uma jovem que engravidou do namorado e deseja casar-se.
Então esta coletânea apela à credulidade do leitor situando-se curiosamente como precursora de um recurso que se tornaria muito popular na cultura de massa, nos filmes snuff, ou found-footage! Contos de Fantasmas é um exploitation no século XVIII!

Daniel Dafoe (1660-1731) celebrizou-se por ter escrito As Aventuras de Robinson Crusoé, mas sua vida se caracterizou pela intensa produção literária e jornalística. Em 1704 fundou em Londres (sua terra natal) o jornal "The Review" onde escrevia praticamente sozinho sobre todos os temas. Religioso, politizado, radical, foi no seu Review que Dafoe publicou inicialmente estes Contos de Fantasmas, baseado em entrevistas ou relatos conhecidos. (da contracapa)

👻
Leitura Radical
Um pouco superficial na brevidade dos contos.

Leitura Passional
Encantador gótico folhetinesco.
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Contos de Fantasmas
Tales of Piracy, Crime and Ghosts - Daniel Dafoe
Editora L&PM, Porto Alegre, 1997
136 páginas (pocket)

Contos de Fantasmas

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