21 de outubro de 2017

Extreme

Serbian Film

Quando vi Les Yeux Sans Visage de Georges Franju tomei um baita susto na cena da pele extraída da face de uma vítima. Com as tesourinhas cirúrgicas penduradas e o "sangue preto" nas bordas. Estranhíssimo. Na hora pareceu o cúmulo do mau gosto, considerando que em 1958 os extremos gráficos não eram explicitados, nem mesmo nos filmes de terror. Como as plateias da época teriam reagido à essa cena? Nada no filme prepara o espectador para esse momento. Mas ao mesmo tempo que é chocante, a cena é corajosa pela ousadia. Franju seria o pioneiro do cinema extreme?

Extreme foi um termo que apareceu lá pelo fim dos anos 90 para a definição de filmes que buscavam os excessos emocionais e gráficos como principio de sua produção. Naturalmente que os filmes de terror fossem os mais próximos ao extreme. Mais propensos em desafiar as plateias a um espetáculo que dava um passo além ao que já era conhecido. A cabeça explosiva de Scanners (1980) foi muito comentada em sua época. Então como seriam 90 minutos de um festim sangrento sem precedentes na indústria do cinema? Quem estaria realmente disposto a encarar isso? Também é questionável que o cinema afrontoso a sua plateia também provocava os circuitos distribuidores. Estariam esses circuitos dispostos a distribuir o extreme ou apenas o material proposto pelos detentores dos meios de produção para as massas? Os donos do "mau gosto padrão".

Terror nas Trevas (The Beyond)

Em suas respectivas épocas poderíamos ir destacando Last House on the LeftThe Hills Have EyesToolbox Murders ou Texas Chainsaw Massacre, que foram testes de resistência para espectadores, assim como as revoltantes cenas de mutilações em animais em Canibal Holocausto ou Ultimo Mundo Canibal. Mas até aí Wild Bunch e Papillon também seriam extremes por seus abusos! Assim como a cena do dentista em Maratona da Morte. Nesta rápida revisão, Black Phillip preferiu excluir aqui os shockumentaries, como Mundo CãoThis Violent World ou Faces da Morte só porque não são exatamente filmes de ficção. Nesse ponto a discussão poderia se estender por causa de trabalhos como Guinea PigBegotten ou Bunny Game que também não são filmes comerciais a rigor, estão mais para o exercício em cinema e linguagens narrativas. Me parecem mais treinos de direção e atuação do que outra coisa.

Nos anos 70 em plena contra-cultura e contestação, diretores como Jean Rollin, ou Jess Franco tiveram sua série de filmes-happening com um mínimo de desenvolvimento narrativo e o máximo de atmosfera. Foram filmes que pegaram dois extremos e polêmicos ingredientes – erotismo e terror – e os juntaram em trabalhos alternativos destinados ao circuito cult dos iniciados e mostras paralelas ao circuito comercial. Então, foram passos importantes da vanguarda ou eram feitos só pra filmar a mulherada sem roupa em velhos casarões e cemitérios? Veja Le Frisson des Vampires ou A Virgin Among the Living Deads. Qual seria a ousadia seguinte a essa? Filme pornográfico? Que por sua vez também teve importância contestadora nos anos 70 ao invadir o circuito comercial.

O cinema splatter carregou um pouco essa bandeira no início dos anos 80: os europeus Buio Omega (1979), Zombie (1979), The Beyond (1981), Hellraiser (1988), chutaram o balde (de sangue) com seus excessos. Na América ReAnimator (1985) foi um dos maiores representantes do splatter e algumas curiosidades menos citadas como Mad Jake (1990) podem até ser revistas como pioneiras do extreme. Como consequência tivemos, no auge do mercado VHS, o advento dos video nasties, que mais uma vez mostrou as forças coercitivas de uma sociedade que precisa exercer controle sobre o que circula culturalmente. O lado bacana disso é que as listas segregadoras serviram como destaque do que extrapolou. Funcionaram como a legitimação dos alternativos. Se é Video Nasty então é bom! O diretor alemão Jorg Buttgereit tem até um filme chamado Video Nasty. A lista oficial dos nasties tem coisas clássicas do terror e do extreme como Antropophagus (1980), Vingança de Jennifer (1977), Evil Dead (1981), Cannibal Ferox (1981) e Canibal Holocausto (1979).

Cannibal Ferox

No jargão contemporâneo o termo extreme geralmente define filme muito violento. O citado diretor Jorg Buttgereit ou seu conterrâneo Olaf Ittenbach são pioneiros com seu "cinema anti-cinema", captura em VHS, explicitação de violência sem atenuantes, o alternativo assumido (ou mau-gosto-cara-de-pau). Os limites são discutíveis pois sempre soubemos que ninguém morreu no filme e o sangue derramado é cenográfico desde os tempos dos faroestes de matinês. Então questionar a veracidade dessa violência por vias mais explícitas e condenar o cinema padrão hollywood como burguês e fake, parece meio sem razão. Ou apenas disfarça a vontade de mostrar sangue sob um discurso mais bem fundamentado. A postura é contestadora ou é só vontade de mostrar mais sangue do que o coleguinha? No final o que conta mesmo é se o resultado de toda essa proposta, postura, contestação está gerando filmes legais ou só polêmica. E isso vale para o todo o cinema, desde sempre.

Alguns até conseguiram um grau de veracidade que espantou autoridades como o Aftermath do espanhol Nacho Cerda, ou a série de curtas japoneses Guinea Pig. Trabalhos que sempre servem a esquentar as polêmicas sobre os filmes snuff. Mas e então? Pra mim significa que tecnicamente os caras estão mandando muito bem. E só. São trabalhos impressionantes mas, fechados em si mesmos. Por outro lado veja o extreme emocional de Requiem Para Um Sonho (2000) se não é difícil encarar até o fim. O mesmo para Enter the Void de Gaspar Noé, diretor extreme por excelência depois de filmes como Irreversível e Sozinho Contra Todos.

Enfim, para o bem ou para o mal, os extremos estéticos se incorporam e vão aparecendo tanto na continuidade das propostas alternativas (com e sem aspas) de NecromantikFunny GamesSubconscious CrueltyTaxidermia ou Serbian Film, como em produções mais comerciais (de novo, com e sem aspas) como no remake de gêneros já consagrados no terror e no suspense como em Eden Lake ou Alta Tensão. Se a intenção é ser polêmico e as polêmicas durarem uma semana, o risco é dos diretores. O cinema precisa de um pouco mais que isso. E uma vez que o escândalo tenha funcionado, se colar colou, aí temos a formação de "novas tendências" como o já reconhecido "extreme francês" de Martyrs, Frontier(s) Inside.

E mais uma vez o Black Phillip evita entrar pelos caminhos do cinema oriental. Preciso pesquisar mais só pra não destacar apenas alguns dos mais óbvios como Ichi the KillerAuditionBattle Royal ou Story of Ricky. Mas sabe, de repente deu vontade de ver Bridget Jones!

Martyrs

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